Em meio ao pós-crise, setor automotivo precisa pensar em experiências ao cliente
Nos primeiros dias de 2019, uma brincadeira nas redes sociais serviu para reforçar aos brasileiros o quanto mudamos em um período de 10 anos. A proposta do 10 Year Challenge (Desafios dos 10 anos) era simples: o usuário deveria postar uma foto sua atual ao lado de uma imagem também sua em 2009. A brincadeira consistia em ver as mudanças físicas (em alguns casos impressionantes) pelas quais o usuário passou em um período relativamente curto, de 10 anos.
Não demorou para que marcas e organizações aderissem ao “desafio” e passassem a compartilhar montagens comparando o Brasil atual ao Brasil de 2009. Os resultados também impressionaram. Sem destrinchar a mudança, ou seja, tomando apenas a imagem em si, foi possível observar uma série de mudanças nos mais diversos setores e quesitos.
Com o setor automobilístico não foi diferente. É possível dizer que, de 2009 até hoje, o Brasil experimentou uma alta impressionante na venda de veículos novos, chegando ao recorde em 2012, com cerca de 3,8 milhões de unidades comercializadas. De lá para cá, no entanto, a venda de carros acompanhou o desempenho negativo da economia brasileira e passou a registrar queda atrás de queda. O início da recuperação se deu em 2017, ainda que o crescimento tenha ocorrido sobre bases rasas.
Se deixou de comprar carros novos, o brasileiro passou a priorizar o cuidado com o veículo que já tinha na garagem. Ao longo dos últimos 10 anos, o consumidor buscou, essencialmente, melhorias que tornassem seu carro mais econômico, mais eficiente e menos poluente, de forma geral.
A indústria, por sua vez, teve de acompanhar os anseios dos brasileiros e passou a desenvolver tecnologias para melhorar e otimizar o desempenho dos veículos no território nacional.
Ocorre que, diante das inúmeras transformações verificadas nos últimos anos, não foram apenas as estruturas dos carros que mudaram. A experiência de compra também foi reinventada, e isso vale para praticamente todos os setores. É o que Valter Pieracciani, sócio-diretor da consultoria Pieracciani Desenvolvimento de Empresas, chama de “Revolução”, vivenciado na Indústria, na Distribuição e também no Varejo.
Em entrevista à revista Mercado Automotivo, Pieracciani explica que essa revolução já é uma realidade, motivada principalmente pela jornada do cliente, que não mais se satisfaz com a experiência tradicional de compra e venda. Seja aquela que visa o consumidor final, seja aquela que visa inicialmente o distribuidor.
“É necessário cada vez mais entregar uma experiência positiva. Não é o varejo que está em crise, o que está em crise é um velho modelo no qual a gente [simplesmente] comprava e vendia coisas”, explica o consultor.
Pieracciani aborda também o conceito de design thinking para explicar porque, mesmo diante da crise, algumas empresas de setores distintos conseguiram manter ou até mesmo ampliar sua participação no mercado. Mas, o que, afinal, seria o design thinking?
“Design thinking é uma ferramenta que pode ser usada por qualquer empresa, de qualquer tamanho e qualquer ramo. O ponto central dessa metodologia é colocar o cliente e o que é valoroso para ele no centro de tudo. Ou seja, valoriza-se a jornada que o cliente passa com você”, explica o consultor.
Também é possível definir o conceito de design thinking como uma abordagem cujo principal objetivo é buscar soluções de problemas de forma colaborativa. Um dos seus diferenciais consiste no fato de propor uma verdadeira imersão no desafio que se apresenta, de modo a entender parâmetros e padrões que serão essenciais no desenvolvimento de uma solução para aquele problema. Com esta abordagem, o que se espera é entender melhor o que o consumidor (no caso das empresas) realmente quer, o que ele deseja, o que valoriza, o que entende como um diferencial e o que entende como básico.
Design thinking
Para Pieracciani, o conceito e a abordagem de design thinking atualmente estão muito mais acessíveis. Em parte devido ao maior número de ferramentas disponíveis para traçar um detalhado perfil do público consumidor. Em parte também devido ao maior incentivo à prática, de forma geral, pelas empresas.
“[A adoção do design thinking] está muito mais fácil, porque, além das ferramentas informatizadas, estatísticas, temos mais gente especializada, muito mais gente que sabe lidar com isso”, explica o consultor. Para referendar o que diz, Pieracciani cita como exemplo o lançamento do Laboratório de Inovação do Varejo (ProVa), que ocorreu em junho de 2018, pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
Trata-se de uma iniciativa inédita na América Latina com o objetivo de apresentar tecnologias inovadoras para o mercado.
Abordagem da Distribuição e na Indústria
Conforme apontou o consultor, o design thinking pode ser aplicado em diversos ramos, por diversas empresas. Na distribuição, no entanto, há um diferencial que precisa ser considerado.
Para utilizar essa abordagem, o distribuidor deve atentar-se aos seus dois clientes: o lojista e o consumidor final, que, de fato, utilizará o produto. Ao pensar nestes dois perfis, será possível traçar também o que permeia e o que gera valor na jornada de cada um deles.
“A jornada tem início quando a loja toma contato com o distribuidor (através de seu site ou pela visita de um representante, por exemplo). Os processos posteriores incluem a aplicação/utilização do produto à satisfação do cliente ‘final’. Isso é conhecido como jornada do cliente.
No entanto, ainda que o distribuidor tenha de identificar dois perfis, não significa que a aplicação do design thinking para ele será essencialmente mais difícil. “O primeiro desafio para o distribuidor que deseja usar o design thinking é caracterizar seu cliente (lojista e consumidor final). Depois, ele deve identificar quais clientes são mais relevantes para sua estratégia de negócio e os motivos para esse entendimento. Posteriormente, o distribuidor deverá identificar o que é relevante justamente para esses clientes que destacou”, avalia.
Pensando no lojista, por exemplo, o distribuidor pode avaliar formatos e dinâmicas de negócio para que aquele amplie suas vendas, fidelize sua base de clientes ou tenha melhor gestão de suas atividades. Esse esforço poderá envolver o oferecimento aos lojistas (gratuito ou a baixo custo) de softwares de gestão, cursos e/ou plataformas que os auxiliem. É dessa forma, segundo Pieracciani, que o distribuidor se destacará frente aos concorrentes.
De certa forma, o mesmo vale para as fábricas. O essencial é entender, por meio do design thinking, quem é relevante para seu negócio. E, posteriormente, o que é relevante para esse cliente que se destaca em sua base.
“A fábrica pode chegar à conclusão que o seu diferencial é entregar na metade do prazo [frente às concorrentes]. O fabricante deve se perguntar, então, o que é necessário para atingir essa meta. Fidelizar os distribuidores? Fornecer softwares gratuitos? O design thinking identifica o que é importante e relevante para seus clientes”, afirma.
Efeitos da crise
A iniciativa do governo federal em lançar o laboratório de inovação não ocorre à toa. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2014 a 2016 o Brasil registrou o fechamento de 341,6 mil empresas. Os números referem-se ao auge da crise que afetou a economia do País e mostram que o setor do comércio foi o mais impactado no período.
Os números, de fato, impressionam. Significa dizer que, de 2014 a 2016, o Brasil fechou, em média, pouco mais de 300 empresas por dia. Do total de empresas fechadas, 76,8% eram do segmento comercial. O cenário costuma ser explicado pela crise econômica e também pelo crescimento do e-commerce. Para o consultor, no entanto, há um terceiro fator que influencia o desgaste do comércio: a falta de conexão com o consumidor e a falta de novidade no que diz respeito à experiência da compra, um contraponto ao modelo tradicional de compra e venda.
“Hoje, o varejista agrega uma experiência positiva ao produto e lá na frente irá entregar tanto o produto quanto a experiência, juntos. É nisso que acreditamos. O prazer de ir às compras. E não estou falando de compras de coisas fúteis, estou falando de compras de autopeças, de material de escritório, do conserto de um celular”, completa Pieracciani, ressaltando que o ato de comprar carrega também uma emoção.
“O grande desafio é levar essa emoção para o negócio, de modo que o consumidor tenha uma experiência e possa aprender alguma coisa. As lojas de autopeças, por exemplo, podem ter também essa estratégia. [Para que] o mecânico, o profissional ou mesmo o amante de veículos possa ter uma experiência e um aprendizado. Caso contrário, o cliente compra pelo e-commerce, pois não faz sentido ele se deslocar até o estabelecimento. Quanto maior for a carga emocional, mais coisas ele vai comprar, mesmo que inicialmente não precise delas”, explica.
Os desafios do design thinking
Aplicar o design thinking num primeiro momento pode parecer extremamente complexo. A primeira reação frente à abordagem é geralmente a mesma: não há tempo para isso.
E há um certo sentido nessa alegação. Afinal, em tempos de crise, é difícil achar quem tenha tempo para imergir em um problema e pensar em uma solução de forma colaborativa. O empresário (distribuidor ou varejista) passa tanto tempo “apagando incêndios” em seu estabelecimento que não consegue parar para pensar em novas soluções e inovações.
De acordo com o consultor, no entanto, esse ciclo pode ser fatal para o futuro da empresa. Principalmente porque, ainda que a maioria não consiga, alguns conseguirão, e aplicarão tais inovações de forma satisfatória em seus negócios.
Não bastasse a concorrência “física”, o varejista precisa lidar ainda com a concorrência virtual. De acordo com Pieracciani, dedicar o dia a “apagar incêndios” é especialmente fatal diante das alternativas das lojas on-line.
“O que vai fazer com que o mecânico, ou eu ou você compremos ou não uma autopeça numa loja dessa se eu posso comprar pela internet, receber na minha casa, economizar combustível, tempo, pesquisar preço? Eu só vou na sua loja, no seu estabelecimento, se você me entregar alguma coisa a mais do que uma peça. Isso se chama experiência. Se junto com a peça você vai me ensinar como funciona, vou ter acesso a outras peças que provavelmente eu tenha que levar junto e eu nem sabia, eu vou entrar num ambiente iluminado, gostoso, aromatizado, vou ser bem atendido, vou passar a receber informações de conteúdo que me interessam como mecânico, etc. Se não tiver esse pacote, esse entorno, eu não vou. Se eu não for à sua loja, você fecha. Você fica apagando incêndio, e num belo dia você vai acordar, ver que não consegue pagar contas, que está endividado, e fechará as portas. Essa preocupação já é uma realidade. Esse momento já chegou”, conclui.
Questões para quem deseja iniciar a aplicação do design thinking
- Quais players do seu setor têm se destacado nos últimos anos?
- Quais as diferenças destes concorrentes para o seu negócio? Pense no atendimento, nas opções de entrega, nas formas de pagamento, no que é oferecido ao consumidor como brinde ou extra, no pós-vendas, no atendimento pela internet, no uso das redes sociais.
- De que forma é possível aplicar essas melhorias em seu negócio?
Pense de forma estruturada, colocando prazos e responsáveis por cada ação. Além disso, pense de forma conjunta, utilizando ideias e avaliações de sua própria equipe, independentemente da hierarquia, pois o problema (e a solução) pode ser mais visível justamente por quem lida diretamente com o cliente.
Dedique tempo para responder às questões acima. As respostas certamente não virão de imediato e será necessário um trabalho de pesquisa para chegar ao entendimento real do cenário. No entanto, pense nisso como um investimento que sua empresa/loja está fazendo.
Escrito por: Redação