É natural para quem trabalha na indústria, seja qual for o setor, tecer comparações entre a estrutura brasileira frente aos complexos industriais de outros países mais desenvolvidos.
Uma das dificuldades de quem gosta de imaginar ou pensar estes cenários reside justamente na dificuldade em sair do “achismo”, ou seja, utilizar dados e parâmetros adequados para chegar a uma comparação que seja plausível e confiável. Importante destacar, portanto, a divulgação do estudo “Oportunidades para a Indústria 4.0 – Aspectos da demanda e oferta no Brasil” pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A entidade analisou taxas de produtividade, exportação, importação e inovação de diversos segmentos brasileiros. Foi além, no entanto, ao traçar uma comparação entre esses segmentos e as 30 maiores economias do mundo, de modo a avaliar o panorama de nossas empresas tanto no mercado interno quanto no externo.
A conclusão do levantamento é preocupante, mas, de certa forma, já era esperada por quem acompanha as indústrias do Brasil e de outros países. Dos 24 setores industriais brasileiros analisados pela CNI, 14 precisam dar um verdadeiro salto tecnológico para se adaptar à chamada indústria 4.0.
Mas, afinal, do que se trata a indústria 4.0?
O termo passou a ser utilizado por quem estuda os processos industriais pelo mundo nos últimos anos. Seu objetivo é promover a integração de diversos tipos de tecnologias no processo produtivo. Cabe aos setores incorporar ao seu cotidiano ferramentas/ideias como impressão 3D, inteligência artificial, Internet das Coisas, computação em nuvem, manufatura híbrida, Big Data (processamento de dados em larga escala), entre outros.
A Indústria 4.0 representa uma profunda transformação nos processos produtivos e criativos, incentivada não apenas no Brasil, mas em diversos países do mundo. É o que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) chama de “Quarta Revolução Industrial”, em referência aos movimentos que trouxeram mudanças significativas para a indústria global. Fato é que esses movimentos de mudança não começam de forma igualitária em todos os cantos do globo. O estágio inicial dessa iniciativa se deu na Europa, com o objetivo de ampliar a produtividade sem reduzir sensivelmente o custo da força de trabalho.
O que motivou essa mudança? A China. Não é de hoje que os chineses chamam a atenção de todos devido em parte a seus setores industriais que, muitas vezes, conseguem desenvolver produtos e serviços a um custo extremamente baixo em relação aos praticados em outros países. Dessa forma, a indústria 4.0 busca, de certa forma, concorrer de forma mais igualitária com o poderio chinês, sem deixar de lado sua preocupação com os direitos trabalhistas básicos – um fator que gera muita polêmica junto aos chineses, devido a denúncias de que alguns de seus setores não observam parâmetros trabalhistas mínimos.
“A transição para as novas formas de produção que caracterizam a Indústria 4.0 será decisiva para a maior e melhor integração da indústria brasileira em cadeias globais de valor. Essa atualização amplia a variedade e a qualidade de bens e serviços à disposição tanto da sociedade como das empresas”, aponta Robson Braga de Andrade, presidente da CNI, na apresentação do estudo. A Indústria 4.0, portanto, traz o desafio de aumentar a produtividade de forma estruturada, tirando das novas tecnologias o máximo que elas podem nos oferecer.
No Brasil, no entanto, o tema da produtividade gera intensos debates há anos. Há quem entenda que o Brasil somente estará apto a dar um salto significativo em sua economia quando sua indústria conseguir ampliar de forma relevante o índice de produtividade de seus funcionários. Essa tarefa, no entanto, não pode e não deve ser atribuída somente à indústria. O aumento da produtividade está diretamente relacionado à educação oferecida a quem sequer faz parte ainda da força de trabalho.
De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Educação no Censo Escolar da Educação Básica, cerca de 15% dos jovens com idade entre 15 e 17 anos fazem parte da chamada geração “nem nem”. São jovens que não estudam e não trabalham, constituindo uma massa que preocupa pela falta de perspectiva em um futuro próximo.
Afinal, sem estudar e trabalhar, esses jovens, em algum momento, terão de aportar no mercado de trabalho. E quando esse momento chegar, serão eles quem mais irão sofrer devido aos prejuízos educacionais que carregam. Aumentar a produtividade, entre outros pontos, significa fazer mais a partir de uma mesma base. Para isso, é claro, é preciso investir em novas tecnologias e processos produtivos inovadores, mas a formação dos trabalhadores também requer mudanças profundas.
“Existem desafios para o setor público e para o setor privado, mas, acima de tudo, há uma gigantesca oportunidade. A indústria brasileira tem a chance de, por meio do emprego de tecnologias digitais, dar um salto de produtividade que nos permita reduzir a distância para as nações desenvolvidas”, reforça Andrade. Setores em déficit Analisando a estrutura da indústria brasileira perante a de outros países mais desenvolvidos na adoção da Indústria 4.0, a CNI chegou à conclusão que 14 setores nacionais ainda estão longe deste novo patamar. São eles: impressão e reprodução; farmoquímicos e farmacêuticos; químicos; minerais não-metálicos; couro e calçados; vestuário e assessórios; têxteis; máquinas e aparelhos elétricos; outros equipamentos de transporte; produtos de metal; máquinas e equipamentos; móveis; artigos de borracha e plástico, e produtos diversos.
Quando se leva em consideração apenas a produtividade, o Brasil fica acima da média dos demais países analisados nos segmentos extrativista; de produtos derivados de petróleo e biocombustíveis; de metalurgia, e de fumo. Quando a inovação é incluída na equação, o desempenho superior às demais economias está presente nos setores extrativista; alimentício, e de móveis. Para João Emílio Gonçalves, diretor-executivo de Política Industrial da CNI, o cenário é diretamente influenciado pelo fato de que muitas companhias ainda não detêm conhecimento suficiente a respeito da Indústria 4.0.
“Até três anos atrás, ninguém sabia o que era isso. Estamos procurando mostrar que não é ficção, que é um fenômeno que começa a acontecer e é algo que faz sentido no mundo e no Brasil para a inserção no mercado”, explica o dirigente, em entrevista à Agência Brasil, na qual ressaltou a importância da promoção de mudanças para as indústrias que estão abaixo do que é visto internacionalmente. “Essas alterações são estratégicas para empresas numa situação de baixa competitividade em relação ao mundo e para quem já está inserido, uma vez que este processo está ocorrendo em outros países.
Quem hoje é competitivo, amanhã pode não ser”, afirma. Para isso, de acordo com o diretor, será necessário que as indústrias desse segmento elaborem planos de digitalização para identificar suas necessidades de atuação tecnológica e de integração de seus processos produtivos. Em seu estudo, a CNI destaca, por exemplo, a atuação das chamadas Empresas Integradoras nesse processo de mudanças rumo à Indústria 4.0.
De acordo com a entidade, são empresas com capacitação predominantemente na manipulação de softwares e automação de processos ou de equipamentos específicos, como é o caso dos robôs. “Em sua maior parte, são empresas prestadoras de serviços que fazem adaptações e customizações em programas ou desenvolvem programas que integram partes dos processos produtivos e de gestão das empresas industriais. […] Esse segmento é heterogêneo quanto à capacidade de prestar serviços e de desenhar uma solução customizada, que dependerá da capacitação da empresa integradora nas tecnologias da Indústria 4.0.
Pode-se encontrar, nesse segmento, empresas menores que se definem muito mais como representantes comerciais dos produtores de soluções do que como prestadores de serviços na customização da solução”, aponta o estudo. O estudo também aborda as chamadas Empresas Produtoras de Tecnologias Habilitadoras, que podem oferecer os sistemas digitais completos ou parciais, incluindo máquinas, equipamentos, sensores e softwares.
“O importante é que são empresas que atuam em praticamente todos os campos das tecnologias da Indústria 4.0 e detêm capacitação tecnológica e produtiva reconhecida internacionalmente. Geralmente são grandes fornecedoras de soluções, cujos hardwares e softwares são projetados e produzidos mundialmente para o mercado global. Essas empresas possuem capacitação tecnológica em vários ramos das engenharias, como mecânica, eletrônica, de softwares e materiais. Sob o ponto de vista comercial, elas têm capacitação suficiente para a venda técnica para diferentes setores industriais, o que equivale dizer que os conhecimentos técnicos da força de venda são relativamente abrangentes para manter a cooperação técnica na concepção dos sistemas completos. […] Esse segmento desenvolve novos produtos e materiais, hardwares e softwares, que atendem à demanda diferenciada do mercado”, aponta o estudo.
A entidade, no entanto, também ressalta a importância de políticas públicas para fomentar as mudanças em direção à Indústria 4.0. Uma delas é o Programa Nacional para Elaboração e Implementação de Plano Empresarial Estratégico de Digitalização. A criação deste programa teria o objetivo de auxiliar empresas a elaborar um plano com um diagnóstico sobre as necessidades de digitalização de suas plantas produtivas e as estratégias e os investimentos necessários para executar essa migração. “Ainda existe um desconhecimento sobre as tecnologias digitais. É importante que a empresa consiga visualizar quais têm maior impacto e consigam ver o custo- -benefício disso.
E com base nisso, poderiam buscar apoio para implementação das tecnologias”, explicou Gonçalves. Somente após identificar essas demandas é que entrariam em campo as empresas integradoras, cujas características foram expostas anteriormente. O estudo também recomenda a destinação de recursos às empresas, visando a capacitação de técnicos e gestores. As verbas poderiam ser disponibilizadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Empresa Brasileira de Inovação e Pesquisa (Finep).
A CNI ressalta em seu estudo que, assim como ocorre em outros países, a difusão das tecnologias no Brasil, associadas à Indústria 4.0, não atingirá todos os setores da mesma forma. Tampouco ao mesmo tempo. O importante é abrir cada vez mais as portas para a mudança. Setor automotivo A pesquisa do CNI não fala especificamente sobre o setor automotivo, ainda mais se considerarmos as complexidades desta indústria brasileira. No entanto, a revista Mercado Automotivo consultou o professor Antonio Jorge Martins, coordenador do MBA em Gestão Estratégica de Empresas da Cadeia Automotiva da Fundação Getulio Vargas (FGV).
De início, Martins explicou que a Indústria 4.0 no mundo já está alterando sensivelmente o cenário de diversos setores industriais em outros países, impactando principalmente a mão de obra utilizada. “A Indústria 4.0 nada mais é do que você buscar automação em todos os processos que cercam uma fábrica. No caso do setor automotivo, em uma fábrica que produz carros, por exemplo. Nesse sentido, seria possível uma indústria em que todos os seus elos vinculados à industrialização devidamente conectados digitalmente. […] Mas a Indústria 4.0 não diz respeito apenas à fabricação, mas sim ao link de todos os elos que dizem respeito ao planejamento, à produção e à entrega de um veículo.
Essa é uma visão geral”, afirma o professor. No Brasil, no entanto, uma das grandes barreiras que tendem a existir para a adoção da Indústria 4.0 é a infraestrutura. O especialista explica que esse tipo de indústria requer um nível de digitalização e conectividade que ainda é muito falho no País. “O Brasil hoje tem sérias barreiras no que diz respeito à Indústria 4.0. No mundo, pelo que acompanhamos, não há uma Indústria 4.0 totalmente completa. Eles [outros países] estão caminhando no sentido de chegar a um estágio que seria entendido como o ‘top dos tops’. Toda evolução demanda um tempo. Até porque, na medida em que você desenvolve novidades, surgem detalhes que devem ser arrumados. Então, no mundo, existe uma perspectiva de evolução para uma Indústria 4.0 plena”, afirma.
Ao falar sobre a questão da produtividade brasileira, Martins ressalta que a melhora dos índices de desempenho terá de ocorrer naturalmente. O professor reconhece a importância dos incentivos praticados à indústria automobilística, concluindo que eles foram responsáveis pela chamada “virada de mesa” vivenciada pelo setor no que diz respeito à qualidade e competividade com outros mercados. Além disso, o especialista destaca o enorme potencial do mercado interno brasileiro para explicar que justamente com os incentivos governamentais permitiram que o setor automotivo do Brasil alcançasse níveis mais sólidos e rentáveis. No entanto, para que o País dê um próximo passo, aumente sua produção e suas vendas e consequentemente caminhe em direção à Indústria 4.0, serão necessárias mudanças significativas. “O futuro do setor automotivo é extremamente promissor.
O mercado não deixou de existir, apenas está sendo postergado por fatores conjunturais e econômicos que o nosso país está atravessando. Em termos de veículo, nós temos uma relação habitantes/carro muito superior ao dos mercados europeu e norte-americano. Eles apresentam uma relação de 1 habitante/carro e nós temos uma relação de 4,3 habitante/carro. Nós temos uma perspectiva muito grande de a sociedade continuar comprando seus carros, enquanto em outros mercados já há uma reversão de consumo de veículos”, explica. As perspectivas, portanto, já são positivas em relação ao mercado automotivo brasileiro. Esse cenário deve influenciar não apenas as montadoras, mas obviamente também o setor de autopeças, que poderá se beneficiar com a chegada de novos modelos ao mercado nos próximos anos. O principal desafio, no entanto, está justamente expresso numa declaração de Martins. Diante de um mercado tão competitivo em oferta e demanda, as empresas precisarão ser competitivas “por bem ou por mal”.
“O que tende a acontecer daqui para frente é um aumento significativo da competitividade dessas empresas e a grande diferença para superar esse cenário vai ser a empresa se antecipar aos seus concorrentes. Isso faz com que notoriamente a produtividade de todas elas aumente”, completa. A Indústria 4.0 no Brasil, portanto, tem tudo para acontecer. No entanto, o próximo passo será essencial, até mesmo para definir quem irá conseguir permanecer ileso e saudável após esse “corte” que será feito com base na competividade e produtividade.
“O Brasil, no setor automotivo, tende a continuar crescendo porque existe um vácuo muito grande nessa relação habitante por carro. Mas o crescimento da infraestrutura não se dá tão grande quanto em mercados maiores”, alerta Martins. Ou seja, a Indústria 4.0 precisa ser acompanhada de investimentos dos setores públicos e privados para que o ônus em inovação e tecnologia não caia sobre apenas um ente dos setores analisados. Notícia positiva Pouco após a divulgação de seu estudo, a CNI divulgou que a produtividade do trabalho na indústria brasileira cresceu 4,5% em 2017. Segundo um novo levantamento da entidade, a melhora do indicador, mesmo em meio à crise, é resultado do esforço de empresas e trabalhadores para serem mais eficientes.
No entanto, ressaltou: avanços mais significativos dependem de inovação e de um ambiente favorável aos negócios. “O aumento do indicador, em 2017, reflete o crescimento de 2,2% no volume produzido e a queda no mesmo ritmo das horas trabalhadas”, relata o estudo. De 2007 a 2017, o indicador de produtividade teve crescimento de 8,4%. “Tanto empresas quanto trabalhadores se esforçam mais durante a crise para não perder a renda.
A empresa não quer fechar e, diante da competição mais acirrada e da queda de receita, ela reduz custos e melhora a gestão para ser mais eficiente. Os trabalhadores, por sua vez, não querem perder o emprego. Por isso, buscam ser mais produtivos para que a empresa não quebre e eles mantenham o emprego. […] Para manter os ganhos de produtividade, é preciso aumentar os investimentos em inovação e capacitação nas empresas”, analisa o economista Renato da Fonseca, gerente-executivo de Pesquisas e Competitividade da CNI. *Com informações da Agência Brasil
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