Lideranças do setor automotivo destacam o que esperam da economia brasileira em 2020
O ano de 2020 se apresenta de forma desafiadora aos brasileiros. Após uma sequência relevante de temporadas negativas e de pessimismo quanto à recuperação econômica do país, o Brasil inicia o ano com expectativa positiva de diversos entes que compõem o cenário nacional (lideranças da indústria, governo e população como um todo).
O ambiente carregado da política ainda afeta o cenário econômico (e não teria como ser diferente), mas os brasileiros projetam melhorias apoiadas, desta vez, por bases mais sólidas e não por incentivos pontuais e segmentados.
Ainda à espera dos dados oficiais, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou em janeiro que acreditava em altas de 1,2% e 2,5% no Produto Interno Bruto (PIB) de 2019 e 2020, respectivamente. O crescimento, se confirmado, será muito próximo do índice positivo de 1,1% obtido tanto em 2018 quanto em 2017. É preciso considerar, no entanto, que a alta se dá sobre bases mais elevadas. Além disso, o resultado significaria três anos seguidos de recuperação, após duas temporadas em que o PIB brasileiro caiu cerca de 3% ao ano (3,3% em 2016 e 3,5% em 2015).
Para Dan Ioschpe, presidente do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores), é possível projetar crescimento para 2020 no setor em todos os seus segmentos.
“As expectativas do Sindipeças para 2020 são de mais um bom ano para o setor de autopeças. Nossas projeções indicam faturamento de cerca de R$ 148,5 bilhões, 3% a mais que em 2019. Deve-se registrar crescimento nas vendas para montadoras, intrassetoriais (um fabricante de autopeças vendendo para outro), para o mercado de reposição e também nas exportações. Na economia em geral, esperamos aceleração do crescimento, o que será muito importante para toda a nossa atividade”, afirmou.
O resultado positivo de 2020 vem na esteira dos números de 2019, quando a indústria brasileira de autopeças obteve crescimento pelo terceiro ano consecutivo, após a severa crise econômica de 2014 a 2016. “Segundo nossas estimativas, a indústria brasileira de autopeças obteve faturamento nominal de R$ 144,1 bilhões [em 2019], 5,1% maior que o de 2018. Os investimentos somaram R$ 2 bilhões, valor semelhante ao do ano anterior. Já no caso das exportações, que atingiram US$ 7,2 bilhões, houve um recuo de 9% em relação a 2018, devido aos problemas que atingiram a Argentina, principal parceiro comercial do Brasil no setor automotivo”, complementa.
Ainda em 2019, o Sindipeças revisou sua série histórica de estimativas de faturamento da indústria de autopeças, utilizando nova metodologia. Com isso, os dados de anos anteriores foram recalculados em razão das alterações dos números.
O que preocupa os líderes do setor são os gaps, isto é, um descompasso, ainda registrados no mercado. Para Rodrigo Carneiro, presidente da Andap (Associação Nacional dos Distribuidores de Autopeças), o principal desafio está relacionado à tecnologia empregada em muitos negócios do setor.
“Entre os desafios do mercado é o gap que existe entre o desenvolvimento tecnológico da produção e a tecnologia de gestão no restante do trade market. O mundo está no pós-digital e, em muitas áreas, estamos no analógico. Vamos continuar promovendo palestras que destacam esse assunto tão importante”, afirmou o presidente, que ressaltou a importância da união entre os associados em 2020.
“Os associados da Andap devem estar cada vez mais unidos para conquistarmos melhorias que irão impactar toda a cadeia do aftermarket. Temos importantes desafios pela frente, como a aprovação da inspeção veicular, a reversão da portaria que permite às seguradoras comercializar peças usadas de veículos sinistrados e o problemático modelo de substituição tributária que onera o caixa das empresas. A mudança desse cenário depende primordialmente dos nossos esforços e união”, completou.
Alcides Acerbi Neto, presidente do Sindicato do Comércio Atacadista, Importador, Exportador e Distribuidor de Peças, Rolamentos, Acessórios e Componentes para Indústria e para Veículos no Estado de São Paulo (Sicap), destacou o importante papel das reformas nos resultados econômicos brasileiros.
“Temos como base o crescimento da frota circulante atrelado às melhoras dos indicadores da nossa economia e projetos em andamento no governo para reformas tributária e administrativa, além de várias PECs que visam o crescimento econômico e social. Os reflexos da inflação baixa e da redução dos juros já começam a ser percebidos, trazendo maior investimento no mercado, com abertura ou modernização de novas unidades, recomposição dos estoques e financiamento das operações”, afirma Neto.
“A reforma trabalhista e previdenciária junto com a queda no desemprego tem contribuído com o aumento no consumo em geral, refletindo positivamente na economia. Esperamos ainda que, com a aprovação da reforma tributária, com simplificação na apuração e redução da carga, com o fim da guerra fiscal e a segurança jurídica necessária a todos, tenhamos resultados melhores e de longo prazo. […] A melhora do mercado também tem despertado o interesse de ‘fundos de investimentos’ na aquisição de empresas de autopeças, bem como fusões e/ou aquisições no nosso setor, que deverão se intensificar nos próximos anos. Então, levando-se em conta o momento que vivemos e as perspectivas de melhorias a curto e médio prazos, confirmamos nossas expectativas de crescimento para 2020”, completa.
A sensação geral de otimismo, no entanto, contempla também a cautela com os resultados de 2020, já que em anos anteriores o brasileiro se frustrou com o que pareciam ser cenários de ampla recuperação. Para Francisco Wagner De La Tôrre, presidente do Sincopeças-SP (Sindicato do Comércio Varejista de Peças e Acessórios para Veículos no Estado de São Paulo) e vice-presidente da Fecomercio-SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo), é possível ser otimista com 2020 graças aos números que se apresentaram no final de 2019.
“Assuntos importantes que estavam refreando a intenção dos investidores, empresários e consumidores em sua predisposição para consumir foram aprovados, principalmente a Reforma da Previdência, e isso trouxe ânimo e confiança, o que nos leva a crer que teremos em 2020 um ano melhor”, completa De La Tôrre, que falou também sobre as expectativas do setor para a temporada.
“Para este ano trabalhamos com expectativa de crescimento de 6% para o comércio varejista de autopeças, que já é um número significativo. Um dos fatores para isso é o grande crescimento de venda de automóveis zero km neste ano, que trará impacto muito positivo para o nosso setor, haja vista que, para cada automóvel zero km vendido, ocorre o giro de três a quatro automóveis usados e isso sempre cria demanda na reposição de peças e serviços. […] Outro aspecto a considerar são as novidades tecnológicas. As lojas de autopeças devem ficar atentas e utilizar intensamente a tecnologia, não somente na gestão do negócio, mas na comunicação com clientes e fornecedores porque o futuro do mercado de reposição passa pela necessidade de ampliar a interface com o consumidor final”, completou.
Para Antonio Fiola, presidente do Sindirepa-SP (Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios do Estado de São Paulo) e Sindirepa Nacional, o ano de 2020, de fato, reserva importantes desafios e expectativas para o setor automotivo.
“Existem muitas coisas importantes, como a implantação da inspeção técnica veicular, por exemplo, que traria demanda de serviço para as oficinas e mais oportunidades de crédito a condições favoráveis. Também que a economia apresente melhora e que o programa Rota 45 para promover capacitação seja estabelecido e que seja expandido para as oficinas”, afirmou.
“As vendas de veículos novos no Brasil tiveram uma recuperação, o que indica que o setor volta a se movimentar. A frota de veículos envelhecida também é outro ponto relevante, já que, à medida que mais veículos usados com mais idade trafegam pelas ruas e avenidas do país, vai precisar de manutenção, seja para fazer revisão preventiva ou mesmo quando os carros param de funcionar. Isso gera demanda para as oficinas e movimenta toda a cadeia (varejos, distribuidores e fabricantes)”, completou Fiola.
Outra expectativa que já vem sendo abordada há alguns anos no Brasil é a ampliação da frota de veículos elétricos. Para Fiola, entretanto, esse modelo de veículo ainda não deve registrar ampla proliferação no mercado brasileiro em 2020.
“Acreditamos que no Brasil o que vai prevalecer são os híbridos porque temos o etanol que é uma energia limpa. Mas isso acontecerá gradativamente. Contudo, precisamos considerar essas tecnologias. Existem muitas coisas relacionadas aos veículos híbridos e elétricos que vão impactar a forma de reparar, não só porque são tecnologias e sistemas diferentes, mas porque o reparador vai precisar ter cuidado para mexer nesses carros que possuem eletricidade e o manuseio exige atenção e equipamentos para isolamento, pois estamos falando de alta tensão”, analisou.
Vale a atenção, ainda, às eleições municipais que ocorrerão em outubro. Longe do impacto do pleito nacional, a disputa pode representar importantes movimentações no cenário regional, influenciando diretamente o ambiente político dos próximos anos.
No âmbito internacional, o conflito entre Estados Unidos e Irã (ainda) não tomou maiores proporções, mas qualquer movimento bélico no Oriente Médio poderá desestabilizar o preço do petróleo e influenciar de forma determinante a economia de diversos países, inclusive o Brasil. A guerra comercial entre norte–americanos e chineses também deverá registrar novos capítulos em 2020, deixando diversos países em compasso de espera quanto à manutenção do crescimento econômico da China.
Foi a China, inclusive, que deu início ao fator que mais pode gerar impacto imediato em economias de todo o mundo. O surto de coronavírus, que infectou milhares e matou centenas de chineses até o momento, gera preocupação devido à facilidade com que se alastra por um grupo cada vez maior de indivíduos.
Além disso, diante dos receios quanto ao contágio pela doença, a China praticamente parou durante vários dias. O impacto para a economia global certamente será relevante, mas ainda é cedo para dimensionar o quanto essa paralisação chinesa gerará prejuízos aos demais países (e à própria China). Fato é que os chineses voltaram suas atenções inteiramente ao combate ao surto, uma atitude compreensível diante do gigantesco quórum populacional do país. Assim, a guerra comercial com os Estados Unidos ficou, ao menos por enquanto, em segundo plano.
Até o momento em que esta edição da revista Mercado Automotivo era concluída, o coronavírus já havia infectado cerca de 18 mil pessoas em 25 países, distribuídos em quatro continentes. O Brasil, até então, não confirmou nenhum caso. E a “boa notícia” é que o coronavírus é menos letal que doenças recentes que geraram preocupações semelhantes.
Ainda que os cenários nacional e internacional sejam pontuados também com incertezas, o ano de 2020 permite um ambiente de otimismo, de modo geral. Resta saber se as projeções positivas serão mantidas ao longo do ano, diante de flutuações naturais da economia nacional e também em nível global.
Além disso, resta torcer para que o surto de coronavírus não ganhe projeções ainda maiores, de modo que a economia e a sociedade chinesas possam se estruturar novamente do relevante baque sentido logo no início do ano. Não será fácil, mas é possível, sim, ser otimista.
Escrito por: Redação