Não bastassem as dificuldades impostas pela pandemia, pequenos empresários se veem com problemas para organizar as contas e deveres no início do ano
Levantamento da Receita Federal informou que quase dois terços das micro e pequenas empresas ainda registravam pendências com o Simples Nacional poucos dias antes do fim do prazo para permanecerem ou aderirem ao regime especial.
O Simples Nacional é um programa do governo que oferece alíquotas diferenciadas e unifica o pagamento de tributos federais, estaduais e municipais. Desse modo, também contribui à organização tributária e financeira dos pequenos empresários no Brasil, independentemente do setor em que atuam.
Efeitos da pandemia
A pandemia de Covid-19 impactou diretamente o desempenho das micro e pequenas empresas no País. Sem fluxo de caixa e sem reservas suficientes, muitos tiveram de fechar as portas em definitivo, em meio ao isolamento necessário ao combate contra o vírus.
Em relação ao regime do Simples Nacional, o governo suspendeu o recolhimento das parcelas de março, abril e maio de 2020, postergando-as para outubro, novembro e dezembro para os tributos federais, e para julho, agosto e setembro para os impostos locais.
A Receita Federal também permitiu que as micro e pequenas empresas pedissem o parcelamento das dívidas com o Simples mais de uma vez ao longo de 2020. No entanto, o empresário que atrasou algum parcelamento especial ou não pagou as parcelas suspensas de março a maio do ano passado foi incluído na lista de contribuintes com pendências. Sem regularizar a situação, não seria possível permanecer no regime.
Dificuldade de crédito
Para completar o calvário que as pequenas e micro empresas veem enfrentando desde março de 2020, a obtenção de crédito – que poderia ajudar na regularização que permite a manutenção do regime do Simples Nacional – também tem sido um desafio.
De acordo com pesquisa realizada pelo Sebrae-RJ (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Estado do Rio de Janeiro) com 473 micro e pequenos negócios no Estado, 61% dos pedidos de crédito feitos em 2020 foram negados. Somente 27% conseguiram o crédito e 12% ainda aguardam resposta.
Em entrevista à Agência Brasil, o analista do Sebrae-RJ e especialista em gestão financeira Guilherme Reche ressaltou que há um percentual elevado de solicitações sendo feitas simultaneamente. “Os programas emergenciais de crédito não foram suficientes para cobrir a demanda, porque a demanda foi excessiva, ao mesmo tempo”, afirmou.
Reche frisou ainda que a busca de crédito afetou tanto o micro empresário conservador, que buscava recursos para uma reserva de capital, quanto aquele que precisou de verba para cobrir caixa e despesas essenciais.
“O grande problema é que o empresário que mais precisa do empréstimo é, muitas vezes, aquele que já tem falta de capacidade de pagamento e algum tipo de histórico de restrição, com dificuldades financeiras antes mesmo da pandemia e que esta agravou”, completou.
O especialista explicou que dois fatores têm contribuído para o baixo índice de obtenção de crédito pelas micro e pequenas empresas: (i) a ausência de garantias complementares para oferecer às instituições financeiras; e (ii) o baixo relacionamento, que faz com que as empresas que estão bem relacionadas no mercado obtenham recursos antes desse segmento.
Para Taniara Castro, coordenadora de Capitalização e Serviços Financeiros do Sebrae-RJ, a disponibilização de novas ofertas de crédito com juros menores e prazos maiores de pagamento e carência serão fundamentais para a recuperação das micro e pequenas empresas.
O levantamento do Sebrae apurou também que a pandemia alterou sensivelmente a rotina das empresas. No total, 66% dos pequenos negócios operam com mudanças, 17% precisaram interromper seu funcionamento, 12% não tiveram restrições e 5% resolveram encerrar as operações.
Ainda de acordo com a pesquisa, apesar dos investimentos e das mudanças realizadas pelos pequenos empreendimentos, o faturamento da empresa caiu para 80% dos entrevistados em comparação com 2019. Já 7% dos empresários conseguiram aumentar a receita em comparação com o ano anterior e 11% informaram que o rendimento permaneceu o mesmo.
Endividamento
O endividamento das micro e pequenas empresas também foi algo destacado pela pesquisa do Sebrae no Rio de Janeiro, cujos resultados podem refletir a realidade de outras grandes metrópoles brasileiras.
No caso específico das empresas fluminenses, no entanto, seis em cada 10 têm dívidas em aberto, que estão em dia ou com atrasos. No momento, os principais problemas dos micro e pequenos empresários do Estado são débitos em aberto com instituições bancárias, impostos e taxas, aluguel, fornecedores de matéria-prima e serviços, pagamento de funcionários e despesas com empresas de energia elétrica.
Reche ressaltou que o segmento já apresentava nível de endividamento nos últimos quatro anos, mas que o cenário foi ampliado devido à pandemia. Assim, concluiu-se com o levantamento que, passado o período de carência, as empresas que não estiverem bem estruturadas, bem preparadas, não poderão honrar o pagamento dos financiamentos conseguidos.
“Ainda permanecemos com dificuldade econômica e vemos principalmente empresas de comércio e serviços com dificuldades de gerar negócio, porque o perfil de consumo mudou e isso faz com que o faturamento das empresas tenha uma queda excessiva”, completou.
Por causa desse cenário, os empreendedores disseram acreditar que a economia será retomada somente a partir de janeiro de 2022. De acordo com Reche, o Brasil não tem nesse momento nenhum programa emergencial de crédito ativo. Não há um auxílio para manter a renda das pessoas, e o consumo e a população permanecem com reclusão social e possibilidade de lockdown (confinamento) parcial. “E já são dez meses de pandemia”, salientou.
Segundo o Sebrae-RJ, o empréstimo por meio de maquininhas pode ser uma opção para os pequenos negócios. A pesquisa mostra que 40% dos empreendedores sabem dessa opção, mas não se interessaram; 36% a desconhecem; 17% não usam maquininha em seus estabelecimentos; e apenas 7% solicitaram esse empréstimo. Reche ressaltou que o fundamento do programa de empréstimos por meio das maquininhas foi “excepcional e democrático” para microempreendedores e pequenas empresas.
Ele observou, entretanto, que, como essa possibilidade de crédito foi lançada no fim do ano, as instituições financeiras não tiveram tempo hábil para se estruturar, nem desenvolver mecanismos de oferta às empresas de pagamento, e isso acabou não tendo o resultado esperado. Reche disse que o Sebrae vem atuando junto às lideranças públicas para manutenção desses programas, que “ainda são muito necessários, não só para acesso a crédito, mas para manter a empregabilidade”.
Por todos esses desafios, é evidente a conclusão de que a recuperação das micro e pequenas empresas no Brasil deverá percorrer, no mínimo, todo o ano de 2021. Nesse período, será necessário observar quais conseguirão manter os negócios funcionando se não houver qualquer tipo de auxílio.
Escrito por: Thassio Borges