Com novo governo, sobram expectativas (e dúvidas) a respeito do comportamento da economia brasileira
Após uma eleição extremamente intensa em diversos sentidos, o presidente eleito Jair Bolsonaro tomou posse em 1º de janeiro e deu início a um período que, ao menos nos primeiros meses, será marcado por expectativas e dúvidas em relação às diretrizes a serem adotadas na economia brasileira.
Independentemente de viés ideológico, o fato é que a eleição de Bolsonaro representa uma ruptura com conceitos econômicos que vinham sendo adotados nos últimos governos do PT, e até mesmo no período em que Michel Temer (MDB) esteve à frente do Executivo nacional.
Dessa forma, passados os primeiros dias do novo governo, é hora de olhar para frente e buscar entender de que forma a economia brasileira poderá se comportar daqui para frente.
Algo que não deve ser alterado tão cedo é o principal destino das exportações brasileiras. Em 2018, a China manteve o posto de maior compradora do mercado brasileiro, segundo dados divulgados pela Fundação Getulio Vargas (FGV). A participação chinesa corresponde a cerca de 27% do total exportado, o que representa uma diferença de 10 pontos percentuais para os Estados Unidos, segundo colocado do ranking. A Argentina aparece na sequência, embora tenha reduzido sua participação nas exportações de 8,1% para 6,2% entre 2017 e 2018.
A aproximação entre Brasil e China deverá ser intensificada nos próximos anos, com o objetivo, inclusive, de diversificar a pauta de exportações. A informação deriva do próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, após reunião realizada com o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming.
De acordo com informações da Agência Brasil, Guedes e Wanming conversaram a respeito de possibilidade para diversificar a pauta comercial entre os dois países. O ministro declarou que pretende fechar mais parcerias bilaterais, preferencialmente na área de tecnologia.
Com os chineses, o objetivo é estimular a venda de produtos de maior valor agregado, diminuindo a participação de commodities (bens primários com cotação internacional). Em 2018, por exemplo, os principais produtos vendidos para o país asiático foram soja em grão, petróleo bruto e minério de ferro.
No médio prazo, espera-se ainda a ampliação de negócios com os Estados Unidos, parceiro considerado estratégico e essencial pelo novo presidente no comércio internacional. Justamente por questões ideológicas, o Brasil poderá estreitar relações não apenas com os Estados Unidos, mas também com a Argentina, o que poderia ser determinante para o mercado automotivo brasileiro.
Israel x países árabes
Algo que deverá ser muito bem avaliado pela equipe econômica do atual governo é a aproximação com Israel. O país tem ampla capacidade tecnológica e de inovação e poderá oferecer à indústria brasileira soluções e projetos de alta valia para o desenvolvimento de diversos setores nacionais.
Com a aproximação entre Brasil e Israel, surgiu também a intenção de Bolsonaro em transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. De acordo com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, o presidente brasileiro já lhe garantiu a transferência, informando que não se trata de uma questão de “se”, mas de “quando”.
Ocorre, no entanto, que alguns países árabes (historicamente em conflito político com Israel) manifestaram-se frontalmente contra a possível mudança da embaixada. Por questões históricas (e longe de uma solução pacífica), o tema de transferência de embaixadas para Jerusalém é extremamente sensível na comunidade internacional. A medida foi adotada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e levantou grande polêmica por representar o reconhecimento, por parte dos norte-americanos, de que Jerusalém é a capital israelense.
Segundo informações divulgadas inicialmente pelo jornal Folha de S. Paulo, a Liga Árabe já alertou o presidente brasileiro de que a possível transferência da embaixada poderia prejudicar as relações entre o Brasil e os países árabes.
Apesar de não afetar diretamente o setor automotivo, a discussão gera dor de cabeça especialmente para as empresas que exportam carne halal para países árabes. Com a possibilidade de rever negócios com o Brasil nesse setor de carnes, a diminuição do volume de exportações pode ser muito prejudicial para o setor agropecuário brasileiro.
Questionado sobre a polêmica, Bolsonaro confirmou haver uma ameaça de boicote econômico ao país caso seu governo leve a medida relativa à embaixada adiante. “Nós estamos conversando a melhor maneira de decidir essa questão”, afirmou o presidente, em referência à discussão do tema com o ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo.
E o setor automotivo?
No que diz respeito especificamente ao setor automotivo brasileiro, a expectativa é pelo aumento das vendas de veículos novos, em um movimento que acompanha a recuperação (ainda que discreta) da economia do país.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) estima que as vendas de veículos novos terão aumento de 11,4% em 2019, considerando os números de todo o Brasil. Há expectativa de alta também para a produção, com ampliação de 9% em relação a 2018. O presidente da entidade, Antonio Megale, no entanto, estima queda de 6,2% nas exportações, na comparação entre 2019 e 2018.
“Acreditamos que as reformas irão acontecer, principalmente a da Previdência, qualquer que seja essa reforma, mais ou menos profunda. Acreditamos também que a inflação continuará controlada e que os juros continuarão baixos. Nós temos uma situação boa de crédito, já que o nível de inadimplência está muito baixo, o mais baixo dos últimos anos. Com isso, os bancos estão mais dispostos a emprestar dinheiro. E estamos apostando no crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] entre 2,5% e 3%”, afirmou Megale.
O presidente da Anfavea também analisou o resultado do setor em 2018, quando a produção ficou muito próxima de atingir as 3 milhões de unidades (foram 2.880.000 veículos produzidos).
“É um número razoável. Infelizmente, não chegamos aos 3 milhões [de unidades produzidas], que é o que a gente gostaria. E não chegamos aos 3 milhões porque justamente não conseguimos exportar mais para nosso principal parceiro [a Argentina]”, completou.
Megale explicou que as exportações de veículos têm apresentado números menos satisfatórios nos últimos meses por conta da crise enfrentada pela Argentina, principal mercado do setor automotivo brasileiro.
Reformas no Mercosul
Ainda que mantenha a expectativa pela melhora do cenário econômico argentino, o Brasil se movimenta regionalmente para ampliar suas parcerias comerciais, o que afetaria diretamente a estrutura e a disposição do Mercosul (bloco formado também por Argentina, Paraguai e Uruguai).
Segundo reportagem da Agência Brasil, os quatro integrantes do grupo deverão iniciar uma série de conversas para debater reformas internas e externas do bloco, que incluem medidas de desburocratização, redução da Tarifa Externa Comum (TEC) e, no futuro, a permissão para que os governos possam fazer acordos bilaterais com outras nações que não fazem parte do grupo econômico.
Com as regras atuais, os países do Mercosul não podem firmar acordos individuais com outras nações que comprometam as taxas de importação e exportação pactuadas pelo bloco.
Ainda que busque aumentar os negócios em novos mercados, o governo brasileiro também se diz empenhado em continuar negociando dentro do bloco os acordos mais promissores em andamento. Nesse sentido, ao menos três negociações estão mais adiantadas: o acordo de comércio do Mercosul com a União Europeia, com o Canadá e com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), formada por Suíça, Islândia, Noruega e Liechtenstein.
Futuramente, existe também a possibilidade de firmar acordos com Coreia do Sul e Cingapura, embora estas negociações ainda estejam em fase inicial.
Em relação às reformas internas no bloco sul-americano, a ideia mais avançada é a de rever a TEC do Mercosul, a alíquota do imposto de importação, cobrada igualmente pelos países integrantes do bloco.
O valor é padronizado de acordo com cada item comercializado, com uma classificação comum entre os países. O objetivo agora é que a TEC seja simplificada e reduzida. Uma das ideias em andamento é a de “enxugar a máquina pública” do Mercosul, a partir de um mapeamento de órgãos e grupos de trabalho em funcionamento no bloco, para realizar seus trabalhos e, eventualmente, encerrar atividades que não sejam mais prioritárias aos governos.
Os primeiros meses do novo governo certamente trarão dúvidas e expectativas, não necessariamente na mesma proporção. Se há algo certo, no entanto, é que mudanças significativas deverão ser promovidas, atingindo diretamente diversos setores, inclusive o automotivo.
*Com informações da Agência Brasil
Escrito por: Redação