CEOs buscam adotar perfil que valoriza a eficiência operacional sem deixar de lado a cultura inovadora
Nas últimas décadas, diversos cursos e consultorias buscaram identificar tipos distintos de liderança, independentemente dos segmentos de atuação. Isso porque, essencialmente, entendeu-se que modelos diferentes de liderança exigem conhecimentos distintos e podem gerar valores diferentes para as equipes sob gestão.
Recentemente, entretanto, especialistas em gestão e desenvolvimento passaram a destacar cada vez mais um tipo de liderança que não pretende isolar, mas juntar características aparentemente conflitantes para criar um rico ambiente em suas empresas e equipes.
Na liderança ambidestra, espera-se que o líder combine e equilibre iniciativas de inovação com cenários de eficiência. Ou seja, deve-se manter um pensamento sempre voltado a inovações e novidades, sem deixar de lado os aprimoramentos necessários para manter e melhorar a eficiência do negócio.
Não é difícil compreender que essas características, num primeiro momento, soem completamente conflitantes. Pessoas criativas geralmente são desorganizadas. Entendem o caos como algo necessário para gerar novas ideias, conceitos e produtos. Por outro lado, quem preza essencialmente pela eficiência costuma valorizar a organização e a disciplina. Desse modo, como conciliar a rigidez na busca pela eficiência com a criatividade sem limites?
Esse é o principal objetivo da liderança ambidestra. Como a própria nomenclatura indica, trata-se de uma liderança que se baseia no conceito ambidestro, ou seja, de pessoas que detêm a mesma habilidade para utilizar os membros direito e esquerdo. É raro, mas é extremamente valioso (e desejado) em um ambiente de negócios.
Pesquisa recente da empresa de auditoria e consultoria empresarial Deloitte fez uma pergunta fundamental para 24 executivos experientes: “Como um CEO pode evitar disrupturas nos tumultuosos mercados atuais”?
Os CEOs responderam que, entre os atributos identificados como inerentes a líderes inabaláveis, a ambidestria é a mais essencial – e também a mais vaga. Afinal, como os CEOs podem cultivar essa habilidade tanto em si mesmos quanto nas organizações que lideram?
Em artigo escrito por Benjamin Finzi e Vincent Firth, ambos diretores da área de Consultoria Empresarial e colíderes do Chief Executive Program da Deloitte US, e Mark Lipton, líder nas frentes de eminência e estratégia de conteúdos para o mesmo programa, a consultoria exemplificou de forma clara as principais características da liderança ambidestra, ressaltando também quais são os três princípios que devem guiá-la numa organização.
“Fundamentalmente, a ambidestria é a capacidade de examinar as condições presentes para otimizar as operações vigentes e, ao mesmo tempo, descobrir oportunidades de redefinir o modelo de negócios assumindo riscos inovadores. Quando um negócio tem um bom desempenho em ambas as frentes, ele está apto a ter um crescimento rápido e sustentável”, escrevem os autores. Ou seja, o desafio principal é otimizar as operações ao mesmo tempo em que se aproveitam as oportunidades para redefinir o modelo de negócios, ainda que isso gere riscos.
“A ambidestria é exemplificada pelo CEO que demonstra apetite para riscos que podem redefinir a criação de valor do negócio enquanto, simultaneamente, procura eliminar ineficiências operacionais e implementar práticas de liderança no modelo de negócios atual. Não é surpresa que, com frequência, esse movimento gere certas tensões dentro da organização”, completam.
Importante ressaltar também que a liderança ambidestra pode promover melhorias tanto para empresas em início de operações quanto para organizações já estabelecidas. No entanto, ainda é incomum nos ambientes de negócios, pois exige um equilíbrio delicado dos CEOs. Os líderes dispostos a abraçar a esse estilo de liderança precisam aceitar incertezas, ambiguidades, ambivalências, tensões e até mesmo conflitos, sem recuar diante de situações desconfortáveis.
“A falta de uma orientação efetiva do CEO leva a um desconforto organizacional que pode desencadear armadilhas para os negócios. Sem uma abordagem disciplinada, a operação afasta a descoberta – e vice-versa. A otimização das habilidades atuais tende a gerar um pico em lucros imediatos. No entanto, a otimização por si só eventualmente cria estagnação, deixando as empresas vulneráveis a mercados voláteis e a inovações tecnológicas. Por outro lado, a busca por inovação do modelo de negócios sem uma preocupação com a excelência operacional pode fazer com que a organização perca seu lugar em um mercado já consolidado, sendo dominada por empresas melhores preparadas na execução de suas estratégias”, explicam.
Três princípios da liderança ambidestra
Para a Deloitte, é possível definir como três os princípios que definem e norteiam a liderança ambidestra. E é a partir deles que se torna viável implementar uma cultura de liderança ambidestra que não fique restrita ao CEO da empresa, mas que influencie as principais vozes da companhia.
- Mentalidade: articular uma visão poderosa que abarque tensões concorrentes
Os CEOs ambidestros não somente toleram, mas são atraídos pela ambiguidade. Eles não tentam domar as tensões entre pontos focais ou mentalidades em conflito em suas equipes, mas usam essas pressões para gerar e aprimorar novas ideias.
“O CEO ambidestro eficaz não só tem uma mentalidade paradoxal, como também articula e reforça continuamente essa visão para estabelecer a ambidestria como uma visão e um valor comum a toda a organização. Essa visão deve incluir um objetivo estratégico envolvente, que justifique claramente que tanto as descobertas quanto as operações são centrais para os objetivos de negócios. Quando comunicada com sucesso, essa visão ajuda a criar uma cultura organizacional compartilhada, que une as várias subculturas de negócios, melhora o compartilhamento de informação e recursos e gera confiança”, afirmam os especialistas.
De acordo com a consultoria, essa cultura promovida pelas lideranças nas empresas precisa contar com doses de “rigidez” e também de “flexibilidade”, de modo a manter todos os negócios encaminhados na mesma direção.
- Liderança: forme uma equipe de executivos que lidere com ambidestreza
Os especialistas defendem que os CEOs ambidestros devem criar um equilíbrio nas equipes, cercando-se tanto de perfis examinadores (que buscam ordem e otimização) quanto de descobridores (questionadores).
“Os CEOs podem também incutir em suas equipes valores de ambidestria ao recompensar cada executivo por assumir explicitamente uma estratégia a fim de alcançar descobertas e análises nas unidades de negócios. O CEO deve ampliar a necessidade de comunicar essa estratégia à toda a organização incansavelmente para aumentar a cooperação, evitar conflitos improdutivos e encorajar discussões construtivas de diferentes pontos de vista. Sistemas de recompensa com base em um objetivo comum para os executivos apoiam os CEOs a implementar essa abordagem de forma convincente e prática”, afirmam.
- Estrutura organizacional: incorpore a ambidestria no projeto da organização
A ambidestria não deve ser encarada apenas como uma cultura ou mentalidade e não pode ficar restrita aos executivos. É necessário incorporar esse conceito no próprio planejamento estratégico da empresa e difundi-lo em todas as equipes, grupos e divisões.
Nesse sentido, a Deloitte defende a adoção de algumas estratégias. Uma delas é a ambidestria conceitual, uma abordagem na qual a otimização operacional e a investigação existem em todas as pessoas e equipes, passando pelo executivo até a linha de produção. “Implementado por muitos CEOs ambidestros, esse conceito envolve uma dinâmica que permite que toda a empresa alterne facilmente entre os dois modos, em todos os níveis e por todas as funções”, explicam os autores do artigo.
Nesse modelo, o principal cuidado reside na possibilidade de as necessidades atuais de negócios tolherem a inovação nos níveis organizacionais mais baixos, diante de cenários de pressão por recursos. Para contornar essa situação, segundo a consultoria, o CEO deve estabelecer estruturas que mantenham a tensão criativa entre operações e descobertas.
“Uma possibilidade é que as unidades de inovação reportem diretamente ao CEO. Outra alternativa é deixar claro que os negócios selecionados devem proporcionar os recursos apropriados para viabilizar os projetos das unidades de inovação”, apontam.
Checklist de ambidestria para CEOs
Ainda no artigo, os executivos da Deloitte prepararam um checklist com ações que devem ser levadas em consideração por CEOs que visam a liderança ambidestra. Confira:
- Envolver profissionais seniores, com uma aspiração estratégica ambidestra, ao definir uma visão abrangente, que requer tanto comportamentos exploradores quanto operacionais;
- Visar o estabelecimento de uma identidade emocionalmente persuasiva em todos os negócios que compreendem produtos e serviços existentes, mas que legitime e encoraje uma visão de futuro. Isso estimula os funcionários, incentiva a coexistência de objetivos conflitantes e exige criatividade;
- Manter a tensão criativa entre os executivos, considerando as necessidades das unidades de inovação e de negócios principais. É especialmente importante discutir a estratégia de inovação entre os cargos mais altos, na presença do CEO;
- Empurrar o conflito para a base da pirâmide significa que decisões importantes sobre o futuro da empresa podem se tornar um cabo de guerra. Mantenha esses debates difíceis no nível de executivos;
- Ensinar os executivos (e, por fim, todos os profissionais) a lidar com tensões e conflitos, de maneira que incentivem a confiança mútua e as relações produtivas;
- Articular metas claras e diferenciadas, com objetivos e métricas distintas e específicas, para pautas diferentes de operação e descobrimento. Deixadas por conta própria, as necessidades de negócios consolidados quase sempre se sobreporão àquelas de unidades especulativas. Formular metas e métricas explícitas para cada tipo de atividade ajuda a dominar essa tendência.
“Enquanto a ambidestria exige que todos os níveis organizacionais adotem e lidem com as tensões entre otimização e inovação, a forma como essas tensões são gerenciadas e potencializadas é moldada pelo CEO, que, em última instância, é o responsável por disseminar a ambidestria em toda a organização”, explicam.
Você é um CEO ambidestro?
Examine as afirmações abaixo, formuladas pela consultoria, para entender se você, de fato, pratica a liderança ambidestra.
Em geral
- Ao confrontar novas informações estratégicas, não temos medo de refletir criticamente sobre as suposições compartilhadas que temos sobre nossa organização e discutir como as novas informações podem influenciar o equilíbrio entre otimização e descobertas.
- Além dos executivos, qualquer gerente na empresa é motivado e capaz de discutir a “tensão” inerente ao estabelecimento de um equilíbrio entre descoberta e otimização.
Descoberta
- Assumimos responsabilidade por buscar ideias novas ao pensar “fora da caixa”, ao mesmo tempo em que nos comprometemos totalmente com a melhoria da qualidade e os custos mais baixos.
- Buscamos e abordamos clientes em novos mercados de forma constante e sistemática, quer nosso produto ou serviço atual atenda às suas necessidades ou não.
- Comercializamos produtos e serviços que são completamente novos para nós.
Otimização
- Lançamos melhorias aos produtos e serviços existentes conforme entendemos melhor as necessidades de nossos clientes.
- Descobrimos maneiras de aumentar economias de escala em mercados existentes e buscamos constantemente formas de diminuir o custo de processos internos.
Escrito por: Redação