Seminário da Reposição Automotiva destaca como a IA pode ser eficaz para atender a uma frota cada vez mais diversificada
O Seminário da Reposição Automotiva chegou em 2024 à sua 30ª edição e debateu temas essenciais aos players do setor. Realizado no dia 15 de outubro na Fiesp, em São Paulo (SP), o evento foi novamente organizado pelo Grupo Photon e contou com as principais lideranças das entidades e empresas do setor.
Através de palestras e debates conduzidos por especialistas, o público presente pode entender melhor os desafios gerados pela enorme quantidade e variedade de veículos atualmente no mercado brasileiro. A reparação de todos esses modelos e versões exige um esforço cada vez maior de distribuidores e varejistas, fazendo com que temas como inovação, inteligência artificial e direito à reparação (right to repair) sejam cada vez mais relevantes.
Estiveram presentes na 30ª edição do Seminário as lideranças de Abrafiltros, Andap, Anfape, Asdap, Conarem, Sicap, Sincopeças Brasil, Sindipeças e Sindirepa Brasil.
Perspectivas positivas
Claudio Sahad, presidente do Sindipeças, foi o primeiro palestrante do evento e destacou que a indústria automotiva deve crescer em 2024 e 2025, estimulada pelo pujante mercado de reposição e com os veículos a combustão flex e híbrido.
Em 2024, a indústria de autopeças no Brasil deve alcançar faturamento de R$ 259,1 bilhões, com alta de 8% e, em 2025, R$ 269,5 bilhões, num crescimento de 4%. Desses totais, o canal da reposição participará com 22% neste ano e 22,6% em 2025. Sobre os investimentos, a previsão é de R$ 6,2 bilhões para 2024 e de R$ 6,3 bilhões para 2025. “O mercado de reposição vem crescendo significativamente e deve continuar, pois as vendas de carros novos não devem aumentar tão cedo”, afirmou Sahad.
No âmbito das oportunidades, o executivo ressaltou que o Brasil pode ser beneficiado indiretamente devido à desorganização das cadeias de fornecimento global decorrente da pandemia, do conflito no Leste Europeu e no Oriente Médio. No entanto, para isso é preciso que as empresas estabelecidas no país estejam preparadas e num ambiente de negócios amigável para competir. “As reformas estruturais e a redução do custo Brasil têm papel decisivo”, comentou.
Em sua palestra, Sahad frisou que, na matriz energética brasileira, 47,4% são fontes de energia renováveis, enquanto no mundo esse percentual chega somente a 14,7%. De acordo com ele, essas condições representam uma vantagem importante para o país na jornada da descarbonização. “É preciso estimular o abastecimento dos 80% da frota de veículos flex com etanol para ampliar a escala de produção desse combustível”, disse.
Já sobre os veículos elétricos e híbridos, ressaltou que dependem de escala e que é necessário estruturar a cadeia. No entanto, à medida que a produção e vendas avançarem, fabricantes de autopeças estarão organizados para atender as OEMs.
Para ele, a eletrificação pura não será opção para todos os países. “Brasil, Índia, sudeste e sul da Ásia, Oriente Médio, África e América Latina utilizarão motores a combustão por mais tempo”, completou. O executivo entende que o Brasil terá o convívio de muitas tecnologias ainda por muitos anos, podendo ser, inclusive, polo de motor a combustão para atender esses mercados com exportações de veículos flex ou híbridos a etanol.
Em relação aos desafios, Sahad mencionou a indústria 4.0, a descarbonização, os veículos elétricos e outras mobilidades sustentáveis, novos combustíveis, digitalização e Inteligência Artificial (IA), novos modelos de negócios, diversidade e a flexibilidade nas empresas e integração competitiva às cadeias globais.
Inteligência Artificial: evolução constante
Na sequência, Fernando Moreira, fundador da 10X BlockInnovation, abordou o uso da Inteligência Artificial (IA) na reposição automotiva e ressaltou que, embora seja disruptiva, a tecnologia não é exatamente uma novidade na indústria automobilística e no segmento em questão.
Moreira lembrou que, no ano 2000, os veículos começaram a sair de fábrica com assistente de direção. Na Fórmula 1, surgiram os painéis eletrônicos para indicar a troca de pneus. “Em 2010, os veículos já tinham mais de 100 peças com informação digital que necessitam de leitura por scanner. De lá para cá, tudo isso evoluiu com uma velocidade muito grande. Hoje, a Inteligência Generativa já permite ter o desenho do automóvel antes mesmo de ser criado um protótipo físico”, apontou.
A evolução tecnológica fez com que o veículo, na avaliação do executivo, deixasse de ser apenas um meio de transporte para se tornar um meio de entretenimento. Cada vez mais conectado, permitindo interações com internet, acesso a aplicativos e peças inteligentes que indicam quando é o momento de fazer manutenção preditiva.
Moreira destacou que o mercado de reposição continuará crescendo, e que a aplicação de IA nos negócios permite potencializar o desenvolvimento da empresa porque agiliza a análise de dados, tornando a previsão de demanda mais assertiva e ágil. Ele explicou, por exemplo, que um call center pode ser substituído por IA, imperceptível ao consumidor e eficaz porque o robô trabalha sete dias por semana.
Na parte logística, a IA permite otimizar rotas e reduzir o tempo de entrega. “Em muitas situações, em se tratando de velocidade de informação, a IA agiliza a compilação de dados que, feita pelos seres humanos, poderia levar muito mais tempo”, revelou Moreira. O especialista ressaltou, no entanto, que a ferramenta necessita de interação humana para fazer as perguntas corretas.
Como exemplos práticos de uso de tecnologia no setor, Moreira apontou que, por meio de realidade aumentada, é possível treinar mecânicos. Já o aplicativo Chatbot de assistência virtual que vem nos veículos permite que o dono do carro faça o agendamento para manutenção sem nenhuma interação humana.
A oficina pode também aumentar o movimento com o auxílio do Google para estudar a população do bairro e conhecer a frota. Na sua visão, a IA é uma ferramenta que acelera o crescimento. Na China, o especialista fez um trabalho em uma empresa de seguro financeiro e crédito para aumentar a demanda. Analisou dados de perfis das famílias e saiu de uma carteira de 9 milhões de clientes para 16 milhões, dobrando os resultados de 400 milhões de dólares para US$ 800 milhões.
Na sequência, o âncora Adalberto Piotto mediou o painel da indústria, que teve como tema “Uso da Inteligência Artificial no Setor Automotivo”. Participaram Luciano Matozo, diretor de Engenharia e Vendas OEM Frasle Mobility; Marco de Luca, diretor- -geral da Operação de Atermarket para América do Sul da Valeo, e Perci Albergaria, eerente Nacional de Vendas para o Mercado de Reposição da Elring Klinger.
Para os debatedores, a IA ajuda no dia a dia em diversos aspectos a acelerar processos na gestão, na tomada de decisão, na logística, na conexão com a cadeia, entre outras atividades, mas é o ser humano que toma a decisão final.
“Ela ajuda a prever o futuro em diversos aspectos, como, por exemplo, no trabalho com transportadores, para saber o nível de abastecimento, entre outros. É importante também não só para conectar a cadeia de distribuição com ganhos relevantes, mas também na atuação com frota, peças e consumo. No entanto, a análise humana ainda é fundamental, pois a IA apresenta a resposta rapidamente, mas nem sempre correta”, acrescentou Albergaria.
De Luca concordou com Albergaria: “A IA não vai resolver os problemas, mas auxiliará na eficiência, na análise de dados, para que o ser humano tome a melhor decisão. É um grande erro achar que, exclusivamente, a IA trará as respostas. Ela é uma ferramenta de automatização de tarefas, acelera processos. Mas é o ser humano quem toma a decisão. A junção dos dois é benéfica, mas são as pessoas que fazem a diferença no dia a dia”, ressaltou.
Para Matozo, há pessoas empolgadas na indústria com o uso da IA e as empresas devem criar um ambiente para tornar os profissionais mais produtivos. “A indústria pode prever propriedades mecânicas, por exemplo. Na reposição, pode ajudar com os estoques, prever a demanda dos tipos de peças. A IA tem capacidade para fazer isto com nível de precisão, mas não consegue prever algumas variáveis, como mudanças de alíquotas, decisões políticas, novas regulamentações, que podem mudar totalmente um cenário. Ela auxiliará a desenvolver novos produtos, melhorar atendimento e serviços, e chegará também em análises mais rápidas”, alertou o executivo.
Desafios da pulverização da frota
Danilo Fraga, CEO da Fraga Inteligência Automotiva, ressaltou em sua palestra a rápida evolução – e diversificação – da frota no mercado brasileiro nas últimas décadas. “Enquanto na década de 1990 havia 500 modelos e 1.225 versões, hoje temos 2.400 nomes de carros diferentes com 15.699 versões”, explicou. De acordo com ele, a perspectiva é que a condição se acentue.
“A previsão é que, em 2030, veículos com menos volume representarão 44% da frota, ao passo que os mais vendidos, curva A e B, só corresponderão a 25%. Uma mudança que mexe com os negócios na reposição”, advertiu Fraga.
Com a necessidade de estoques cada vez mais diversificados, aumenta também o investimento das empresas para atender a frota. “Grandes players da distribuição têm em cada filial R$ 26 milhões em estoque e isso deverá aumentar para R$ 28 milhões, enquanto os atacarejos passaram de R$ 11 milhões para R$ 12 milhões e os varejos de R$ 2 milhões para R$ 2,2 milhões”, apontou. Ainda assim não é suficiente para que o estoque esteja 100% abastecido, pois sempre haverá falta de algum item.
Mediado novamente por Piotto, o Painel da Distribuição debateu o desafio e reuniu Luis Fernando Hartner, diretor de Demanda e Experiência com o Cliente da Takao; Joaquim Alberto da Silva Leal, CEO da Medauto, e Sérgio Milanez, sócio-administrador da empresa Rufato.
“O volume e a variedade de estoque são problemas inerentes no negócio de distribuição de autopeças, requer sempre mais investimentos e espaço maior. Ou você aprende a lidar com isso ou está fora do mercado”, considerou Leal.
O debate também abordou a atuação da Distribuição em um mercado com presença cada vez maior de veículos híbridos e elétricos. Em sua fala, Hartner ressaltou que, de acordo com estudos, a frota de veículos híbridos crescerá e os distribuidores brasileiros precisarão garantir estoque para atender a demanda. Destacou também a importância do e-commerce, que cresce cada vez mais, bem como da inteligência de mercado e dos dados em conjunto para atender a distribuição e a logística.
Já Milanez foi categórico: o elétrico 100% não veio para ficar no País. Para ele, as soluções serão necessariamente encontradas pelo setor. “Temos pessoas, processos e sistemas. Não há como não evoluir. A tecnologia ajuda muito. O RFID, identificação por radiofrequência, por exemplo, ajudou a acelerar demais o processo”, comentou.
Gestão de estoque
O Painel do Varejo abordou o tema “Expansão de Marcas e Modelos na Frota Circulante – Desafios para os Varejistas” e foi ancorado por Marcelo Gabriel, diretor de Desenvolvimento de Negócios da Latin America for Business ‒ LA4B. Participaram do debate Luiz Galhardo, CEO da Auto Peças Gisela; Matheus Dias, CEO da Método Auto Peças Elite Consultoria, e Neno Oliveira, CEO da Go!Mec Auto Peças.
Segundo Galhardo, atualmente não é possível ser tão generalista e atuar com peças, acessórios e lataria devido ao grande aumento de marcas e modelos na frota circulante brasileira. É um desafio gerir estoque e fazer a previsão da demanda. “Por isso, é fundamental também entender a região de atuação, buscar novos conhecimentos, ter boas parcerias com fornecedores e investir em sistemas de previsão de compras e vendas para fazer com que a loja cresça, bem como ter consultoria para a loja física e o e-commerce para ajudar na gestão”, completou.
Já Oliveira prefere ser generalista. “É mais fácil trazer de volta um cliente que já comprou na loja, que você já conquistou, do que investir tempo para conquistar outro. O retorno é melhor”, disse. Por sua vez, Dias destacou a importância da profissionalização do varejo de autopeças, da necessidade de os empresários do setor terem especial atenção com a carteira de clientes, bem como os dados relacionados aos clientes, sob risco de entregar de mão beijada a loja para terceiros.
Visão geral da economia
Tomé Abduch, deputado estadual do partido Republicanos, participou pela segunda vez do Seminário e apresentou um pouco do cenário político, o comportamento da macroeconomia e a situação do Brasil.
“Há grandes incertezas neste momento: para onde vai o mundo, oscilação do dólar, a China começa uma recuperação lenta, mas ainda tem recessão. Existe uma preocupação dos grandes investidores com os gastos públicos do governo brasileiro, com os déficits públicos, além da insegurança jurídica do país”, avaliou.
Impacto da tecnologia na reparação
Por fim, o público presente conferiu o Painel da Reparação com o tema “A Problemática do Acesso às Informações das Montadoras Sobre os Veículos para Diagnóstico e Reparo”, ancorado por Antonio Fiola, presidente do Sindirepa Brasil. Participaram do painel José Arnaldo Motta Laguna, diretor-presidente do Conarem; Pedro Luiz Scopino, proprietário da Scopino Peças e Serviços Automotivos, e Ricardo Cramer, sócio e proprietário da Aires Veículos e diretor do Sindirepa-SP.
Todos eles falaram sobre a importância do movimento mundial Right to Repair, do qual o Brasil faz parte, para garantir o direito de o consumidor reparar o seu veículo. “Já estamos dando os primeiros passos no Brasil, unindo as entidades do setor de reposição para levar a pauta ao Congresso Nacional. Já existe legislação que protege o consumidor nos Estados Unidos, no Canadá, na Índia, na Austrália, entre outros”, ressaltou Laguna.
Fiola lembrou da assinatura da Carta de Fortaleza, em 2022, durante a Autop, quando as entidades do setor de reposição assinaram documento para oficializar a criação do movimento Right to Repair, que pode acabar com as barreiras de acesso às informações tecnológicas dos veículos, assim como já acontece na Europa.
O painel também abordou as dificuldades do setor com as tecnologias que geram barreiras ao acesso de informação de dados dos veículos para realizar a manutenção. Com sensores e módulos, uma simples troca de lanterna pode fazer com que a seta não funcione e precise apagar o código de erro com scanner para reprogramar, conforme destacou Scopino.
Já Cramer exemplificou sobre a chave k-lock, por exemplo, que bloqueou e precisou esperar 60 dias para a chave chegar da Alemanha e depois programar na concessionária. O executivo afirmou que tem um software pelo qual paga mensalidade para ter o maior número de informações para poder fazer a reparação dos veículos em sua oficina.
Deste modo, novamente o Seminário da Reposição Automotiva chegou ao fim com a certeza de ter promovido ricos e relevantes debates entre as principais lideranças e especialistas do setor.
Escrito por: Redação