Em entrevista exclusiva à Mercado Automotivo, Gerson Prado, chairman da Nexus Automotive International e CEO da SK Mobility, fala sobre os desafios da indústria automotiva global frente a uma geração que, em alguns mercados, deixou de enxergar o carro como um objeto de desejo. Para o executivo, a indústria está reagindo a esse cenário, investindo em novas tecnologias e funcionalidades para os automóveis. Confira a seguir.
Mercado Automotivo – O senhor sucedeu Akram Shahrour como CEO da Nexus justamente nos primeiros meses da pandemia de Covid-19. Quais foram os principais desafios com os quais teve de lidar ao assumir o cargo em um momento sem precedentes na história mundial?
Gerson Prado – Realmente foi assustador assumir tamanha responsabilidade logo no início de uma pandemia global e onde ninguém sabia ao certo o que iria acontecer com a saúde pública e com a economia global. No entanto, quando se senta no cargo não dá para escolher atribuições. Se esta veio logo quando assumi, o jeito foi lidar com ela.
Inicialmente passamos a fazer reuniões constantes com o comitê executivo da Nexus, que, através de delegação do Board da Nexus, tem a responsabilidade das principais decisões. O comitê executivo é composto pelo presidente, ex-presidente, um membro do conselho, do CEO e CFO.
Através dessas reuniões, passamos a mapear semanalmente nossas atividades nos cinco continentes em que atuamos e tomando as devidas decisões em cada uma dessas semanas. Nós reunimos desde bancos globais até as maiores consultorias do mundo.
Tivemos bastante sucesso em nossas ações nesse período, conseguindo não somente deixar a Nexus saudável como ainda valorizar mais a empresa, além de receber grandes novos associados.
MA – No Brasil, o carro sempre foi um objeto de desejo. No entanto, recentemente, em alguns mercados o carro deixou de ser tão valorizado por determinados segmentos entre os consumidores. Há alguma preocupação de que isso ocorra no Brasil? Como seguir valorizando a imagem do automóvel para o público brasileiro nos próximos anos?
GP – Essa afirmação de que o veículo deixou de ser objeto de desejo é verdade. Nos últimos anos os jovens têm se interessado menos por ter seu próprio veículo. Isso se deveu principalmente pelo crescimento de outros meios de locomoção, como o Uber, por exemplo. Embora tenhamos observado um problema de disponibilidade dos carros de aplicativo neste período de arrefecimento da pandemia. Isso deveu-se principalmente pelo aumento de custos dos motoristas, desmotivando a continuidade na prestação desse serviço. Acredito que empresas como Uber voltarão a ser interessantes novamente para o usuário e motoristas.
A indústria de automóveis já está reagindo a esse movimento de falta de desejo dos jovens e está preparando uma nova geração de carros que voltará a atrair esse consumidor. Serão veículos com alta tecnologia e design muito atraente. As montadoras vão focar na experiência do consumidor. Serão “smartphones” de rodas. Além disso, as pessoas necessitam de transporte pessoal desde a era dos cavalos.
MA – Em sua carreira, o senhor pode dizer que passou – com êxito – pelas mais variadas funções no setor automotivo. Com base nessas experiências, qual é, em sua opinião, o principal gargalo do setor automotivo brasileiro atualmente?
GP – Tenho a honra de estar nesse mercado desde os meus 14 anos. Penso que o maior gargalo é ter atratividade para as novas gerações. Nosso setor não é “sexy”. O jovem não quer mais ser mecânico, por exemplo. Sem mecânicos nosso setor colapsa.
Mas não é só na criação de mecânicos o nosso problema. Não estamos conseguindo atrair novos talentos para a indústria e nem para a distribuição. O que acaba acontecendo é uma guerra por profissionais dentro do próprio setor. Um tirando do outro. As associações necessitam urgentemente buscar uma solução.
MA – A pandemia de Covid-19 também gerou uma crise nos insumos, causando desabastecimento de alguns itens e encarecimento de outros. Essa ainda é uma preocupação do setor automotivo brasileiro ou o senhor entende que o pior já passou?
GP – Acredito que a pior fase de abastecimento acabou, porém ainda teremos inflação dentro do setor por um tempo.
MA – Ainda com base na pergunta anterior, o senhor diria que o cenário brasileiro é parecido com o de países como Estados Unidos e os europeus? Ou por algum motivo estamos enfrentando mais dificuldades por essa crise nos insumos?
GP – O problema da falta de insumos foi global. A inflação também é global. Houve uma ruptura nas cadeias de abastecimento, onde, através da globalização, formou–se uma logística que provou funcionar apenas em um mundo normal. Com a pandemia e a guerra, a globalização provou-se ineficiente. Isso está provocando um movimento de nacionalização das cadeias de suprimentos, e que, diga-se, é muito bom para o Brasil.
MA – Diante das inúmeras mudanças pelas quais o setor automotivo passou nos últimos anos, é possível fazer uma avaliação positiva do grau de sustentabilidade atingido pelos players do setor? É possível dizer que o discurso, de fato, vem saindo do papel?
GP – Ainda estamos engatinhando em termos de sustentabilidade. Nosso setor ainda vai ter que investir muito para se dizer que é sustentável. Isso terá que acontecer, pois as gerações Y e Z querem produtos sustentáveis. Quem não tiver o “green label” vai estar fora do jogo para essas gerações.
MA – Qual o papel e a importância do automóvel “tradicional” em um ambiente que prioriza a mobilidade das pessoas em grandes cidades? De que forma a Nexus trabalha para valorizar a imagem do carro em discussões a respeito de inovações em mobilidade?
GP – O transporte individual, principalmente representado pelo automóvel, é difícil de ser substituído. A comodidade, o conforto e a segurança entregues pelos automóveis jamais serão substituídos pelo transporte público.
A população no mundo somente aumenta e isso demanda mais e mais investimento do setor público em transporte de passageiros. O que estamos vendo é que os governos estão endividados e sem condições de fazer tais investimentos, levando as pessoas a necessitar se mover usando seus carros, por exemplo.
A Nexus é uma empresa ultramoderna no que tange às inovações em mobilidade. Temos um fundo de nome Mobillion 100% dedicado em investir em empresas de “smart mobility”. Somos a única empresa em nossa indústria a ter esse tipo de investimento.
Além da Mobillion, criamos recentemente outra empresa, a Sparker, que será 100% dedicada à inovação em nosso setor.
MA – É possível aplicar boas práticas e experiências de distribuição de autopeças no Brasil tomando como modelo países de dimensões muito menores (como na Europa)? O senhor entende que a tecnologia é um fator-chave para adequar essas experiências ao modelo brasileiro, que é um país de proporções continentais?
GP – O mercado brasileiro é muito completo, onde temos diversos modelos de negócios dentro do nosso setor. Temos fabricantes vendendo para distribuidores e varejos. Distribuidores vendendo para os varejos e mecânicos. Varejos vendendo para mecânicos e consumidores e alguns também aplicando peças. Mecânicos aplicando e também vendendo peças. Enfim, uma confusão de papeis.
Na Europa e nos EUA, os mercados têm modelos mais claros do papel de cada um na cadeia de valor do nosso setor. Penso que essa confusão de papeis aqui no Brasil está no caminho de acabar, onde teremos consolidações sendo o aditivo para esse freio de arrumação.
MA – Quais são os principais desafios que a Nexus enfrenta para adaptar soluções em mercados tão distintos entre si? Como superá-los?
GP – Para cada região do mundo onde a Nexus está existe uma realidade. Nosso desafio é entender cada realidade e nos adaptarmos a elas.
MA – Por fim, gostaria que deixasse uma mensagem para o setor de reposição automotiva brasileiro. É possível ser otimista para os próximos 3 anos?
GP – Nosso setor sempre foi muito bom e mesmo na pandemia provou ser muito forte. Não há o que se preocupar com o mercado de reposição brasileiro, onde a frota cresce lenta, mas com veículos mais envelhecidos e precisando de mais manutenção. Se olharmos para a história do nosso setor, nunca andamos para trás, somente para frente. E assim continuaremos.
Escrito por: Redação