China anuncia R$ 27 bilhões em investimentos no Brasil e relação comercial entre os países ganha ainda mais importância
Durante o Fórum Empresarial Brasil-China, em Pequim, no último mês de maio, o governo brasileiro anunciou que a China investirá mais R$ 27 bilhões no país. O valor abrange a indústria automotiva, energia renovável, tecnologia, mineração, saúde, logística e os alimentos.
Além disso, por estarem focados especialmente nas áreas de infraestrutura e tecnologia, os investimentos abrangerão também a área de educação, uma vez que será necessária ampla formação de profissionais, até mesmo para garantir a cadeia de suprimentos ainda a ser demandada.
Atualmente, o fluxo comercial entre os dois países é de cerca de US$ 160 bilhões, de acordo com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil).
Segundo o Palácio do Planalto, os recentes encontros contribuíram para ampliar ainda mais os investimentos chineses no Brasil. Os novos acordos preveem um aporte de US$ 1 bilhão para a produção de combustível renovável para aviação (SAF), a partir da cana-de-açúcar, e a criação de um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) na área de energia renovável.
Especialistas defendem diversificação comercial
Pesquisadores da área de economia e de relações internacionais consultados pela Agência Brasil classificaram como positivos os investimentos anunciados pela China. Há ponderações, porém, de que o governo brasileiro deve investir mais na diversificação de parcerias com outros países, em um contexto crescente de tensões e conflitos comerciais impulsionados pelos Estados Unidos.
“Os acordos são importantes, uma vez que favorecerão principalmente quatro setores da economia brasileira: infraestrutura, energia, tecnologia e agronegócio. Esses quase R$ 30 bilhões estão entre os maiores investimentos chineses no mundo nos últimos anos e um dos maiores que o Brasil já recebeu do exterior nas últimas décadas”, avalia o professor de Relações Internacionais da ESPM, Roberto Uebel.
“É um acordo interessante que está sendo construído com os chineses. É um movimento concreto na hora em que o [presidente dos EUA, Donald] Trump faz um tarifaço e cria situação de instabilidade nos mercados globais para várias economias”, segundo a professora de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Cristina Helena Mello.
“Imagino que Trump deva olhar para o Brasil com alguns cuidados, e a gente espera que haja possibilidade de nova negociação e aproximação com os Estados Unidos, de forma propositiva e não de subordinação”, concluiu.
Distribuição dos investimentos
Segundo a Apex, os investimentos chineses de R$ 27 bilhões devem ser direcionados da seguinte forma:
- R$ 6 bilhões da montadora de veículos GWM para expansão de suas operações e exportações para a América do Sul e México;
- R$ 5 bilhões da Meituan, que promete gerar 100 mil empregos indiretos no setor de delivery;
- R$ 3 bilhões da CGN em um hub de energia renovável no Piauí;
- R$ 5 bilhões da Envision na criação do primeiro Parque Industrial Net-Zero da América Latina;
- R$ 3,2 bilhões da Mixue, com previsão de 25 mil empregos até 2030 com abertura de lojas de sucos e outras bebidas;
- R$ 2,4 bi da Baiyin, com a aquisição da mina de cobre Serrote em Alagoas;
- R$ 1 bilhão da DiDi, em infraestrutura de recarga para veículos elétricos;
- R$ 650 milhões da Longsys em semicondutores;
- R$ 350 milhões da parceria da Nortec Química com três empresas chinesas no setor farmacêutico.
Relações comerciais
Ainda de acordo com a Apex, 4,5% de tudo que a China importa sai do Brasil. E 25% de tudo o que o Brasil importa vem da China. O país asiático é o principal parceiro brasileiro. Em 2024, foram US$ 94,4 bilhões em exportações brasileiras e US$ 63,6 bilhões em importações, um superávit de US$ 30,7 bilhões, 41,4% do saldo comercial total do Brasil. O país é o maior fornecedor para a China de produtos essenciais como soja, carnes bovina e de aves, celulose, algodão e açúcar.
“Seria importante que a gente melhorasse o perfil daquilo que a gente exporta para a China. Exportamos produtos primários, da agricultura e da extrativa mineral. Há pouco espaço para a entrada de produtos manufaturados brasileiros. Acho que isso é um ponto de atenção”, alerta a economista da PUC-SP Helena Mello.
“Também precisamos muito desenvolver a capacidade de logística brasileira de escoamento de produtos para exportação. Isso nos garantiria posição de liderança em alguns mercados que hoje estão concentrados nas mãos dos Estados Unidos e outros mercados que nós competimos, mercados de grãos e de proteína animal”, complementa.
Para o professor Uebel, é importante que o Brasil valorize as relações comerciais com a China, mas mantenha o histórico de diversificação de parcerias.
“O Brasil precisa ter muito cuidado ao se aproximar da China nesse contexto de guerra tarifária, de não prejudicar as relações com os Estados Unidos. Precisa continuar diversificando parcerias para reduzir a dependência não só com os Estados Unidos, mas também com a China. Parcerias com o sudeste asiático, Índia, Japão”, defende Uebel.
A lógica é compartilhada pelo professor Luís Renato Vedovato, da Universidade de Campinas (Unicamp). “É muito importante que o Brasil vá por um caminho seguro, se afastando das instabilidades que se colocam no horizonte. Por isso, a aproximação do Brasil com a China é sempre bem relevante. Como é importante o acordo do Brasil com o Mercosul e a União Europeia. Quanto mais irrigado estiver o país comercialmente, mais resiliência ele terá para enfrentar o futuro”, avalia.
Combustível sustentável
No âmbito da energia renovável, China e Brasil assinaram um memorando de entendimentos entre a empresa brasileira Raízen Energia e a companhia de Hong Kong SAFPAC. O documento aponta para uma parceria estratégica voltada à produção de combustível sustentável de aviação na região Ásia-Pacífico, com o uso de etanol brasileiro como insumo principal.
Na ocasião, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que o Brasil está preparado para liderar soluções sustentáveis no setor de transportes e que a parceria mostra o valor estratégico do etanol brasileiro para a descarbonização da aviação em escala internacional.
A primeira fase da parceria, de 2025 a 2026, permitirá uma demanda de 170 mil toneladas de etanol. Entre 2027 e 2029 e de 2030 a 2033, a demanda será de 285 mil toneladas por ano em cada uma das etapas.
Proximidade estratégica
A proximidade entre Brasil e China ocorre num momento estratégico no que diz respeito às relações comerciais globais. A guerra comercial iniciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fez com que a disputa na geopolítica global atingisse níveis altos de desgastes entre as principais potências mundiais.
Na primeira quinzena de maio, EUA e China concordaram em reduzir temporariamente as tarifas recíprocas, na tentativa de evitar a escalada de uma guerra comercial entre os países. Com isso, os EUA reduzirão as tarifas extras impostas às importações chinesas de 145% para 30%, enquanto as taxas chinesas sobre as importações americanas cairão de 125% para 10%. As medidas vigorarão inicialmente por 90 dias.
A disputa entre ambos, no entanto, foi o suficiente para gerar consequências a outros países e regiões. Para o professor de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Robson Valdez, a América Latina ganhou maior importância geopolítica por causa da disputa comercial e tecnológica travada entre China e EUA.
“A China, através da sua força econômica, acaba trazendo para perto de si atores importantes da região. E essa influência chinesa incomoda bastante os EUA. Nesses últimos 10 a 15 anos, a China tornou-se um contraponto pragmático para os países da região. Enquanto os EUA eram o principal parceiro comercial, não havia possibilidade de os latino-americanos barganharem nada a favor dos próprios interesses”, disse.
Como exemplo dessa disputa, o especialista citou as ameaças de sanções a quem usar o Porto de Chancay, no Peru, construído com capital chinês e inaugurado em novembro de 2024, com a presença de Xi Jinping.
Para Valdez, o Brasil está em uma posição favorável ao servir de interlocutor privilegiado entre o ocidente e o oriente.
“Uma das grandes preocupações do governo norte-americano era evitar que o Brasil firmasse acordo da Nova Rota da Seda. O Brasil não assinou e manteve uma equidistância entre EUA e China. Eu acredito que os EUA enxergam a importância do Brasil nesse sentido e, para os EUA, perder a influência sobre o Brasil seria extremamente negativo”, comentou.
A Nova Rota da Seda é o projeto do governo chinês para integração comercial e de infraestrutura com países de todo o mundo.
Pressão
Para Valdez, os EUA poderão fazer pressão individualmente em cima de cada país da região para frear a expansão comercial no continente em um momento em que a coesão e integração da América Latina e do Caribe estão mais fragilizadas.
“Uma característica dos Estados Unidos é dividir para conquistar. Acho que bilateralmente a pressão vai ser muito forte. Eles podem exercer uma pressão em cada país, como o Panamá, para conquistar seus objetivos. Isso será ainda mais fácil em países já alinhados, como Argentina, Peru e Paraguai”, completou.
Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a viagem à China fortaleceu a visão compartilhada com o líder do país, Xi Jinping, sobre a importância do multilateralismo na coordenação das questões globais.
“A China merece ser olhada com mais carinho e sem preconceitos. A China é a novidade econômica e tecnológica do século XXI. Os Brics é outra novidade extraordinária desse século”, destacou Lula, lembrando da Cúpula dos Brics que o Brasil sediará em julho, no Rio de Janeiro. “Nós queremos tomar decisões importantes para ver se a gente muda o eixo da geopolítica mundial”, garantiu.
*Com informações da Agência Brasil
Escrito por: Redação