“Anywhere Channel” gera desafios para o Supply Chain das marcas
A transformação digital provocou uma série de mudanças no comportamento dos consumidores em todo o mundo. Os processos de compra e venda se tornaram muito mais dinâmicos e fluídos ao longo das últimas décadas, com a internet e as redes sociais representando uma verdadeira revolução em todos as etapas do comércio.
O setor de autopeças, de modo geral, levou mais tempo para migrar parte de suas operações para o meio online, em razão, principalmente, das peculiaridades atreladas à compra de autopeças e ao senso de urgência dos consumidores, que impedia a adequação do setor a um sistema de entregas eficiente e útil para todo o Brasil.
Chegamos num ponto, entretanto, que o próprio consumidor já não vê diferenças entre os canais de compra. Ou seja, não restou alternativa às marcas senão se adaptarem para oferecer qualidade aos seus consumidores em todos os seus canais de atendimento.
Se esses novos cenários trouxeram uma série de facilidades aos consumidores, também geraram um sem-número de desafios para as marcas, cujas imagens estão cada vez mais expostas em redes sociais diante de reclamações que podem “viralizar” e gerar um dano irreparável em suas reputações.
Conforme destaca Rodrigo Catani, head de potencializar vendas da AGR Consultores, o mundo atual exige excelência na distribuição e na disponibilidade do produto, já que as novas demandas dos consumidores pedem por uma sincronia fundamental entre a logística, o planejamento e a cadeia de abastecimento como um todo, desde a compra até a distribuição.
Na chamada “Operação Anywhere Channel”, o Supply Chain, ou cadeia de suprimentos, recebe uma grande importância, pois as empresas passam a entender que o consumidor atual deseja comprar quando quiser, onde quiser e como quiser. Mas, afinal, de que forma as falhas na cadeia de suprimentos de sua empresa – ainda que pareçam mínimas – afetam o seu próprio negócio frente aos concorrentes?
De acordo com a AGR Consultores, a era digital no consumo fez com que diversos outros critérios no processo de compra passassem a ser observados com maior atenção pelos consumidores. Diferentemente do processo de compra físico, o preço deixou de ser o único critério para que o cliente opte pela marca A ou B.
“Dentre estes [outros critérios], podemos destacar prazo e modalidade de entrega, valor do frete, informações claras sobre o produto, navegação intuitiva e a forma de pagamento. A mais atrativa combinação destes e demais critérios é que viabilizará a melhor experiência de compra ao consumidor”, explica Marcelo Paciolo, consultor da AGR Consultores.
O consultor destaca também a importância da flexibilidade das empresas nesse processo de compra e venda em diferentes canais. Segundo pesquisa realizada pela consultoria Nielsen, cerca de 60% das pessoas entrevistadas com idade entre 25 e 40 anos gostariam de ter flexibilidade para o processo de entrega. Ou seja, desejam ter mais opções relativas aos horários e locais de entrega para suas compras, por exemplo.
“Temos observado o desenvolvimento expressivo desses pilares, e ainda mais intensificado nos últimos cinco anos. Quando entramos especificamente no quesito prazo de entrega, a evolução é ainda maior, dada a sua complexidade. A cada barreira superada, um novo ciclo em busca da entrega mais rápida é iniciado – 5 dias para entrega, reduzindo para 3 dias, 2 dias, entrega no dia seguinte à compra, entrega no mesmo dia, entrega em até 3 horas após a compra. A disputa já passa a ser contabilizada em minutos pelos maiores varejistas do mercado, e quem ganha somos nós consumidores”, complementa Paciolo.
O consultor explica que a solução operacional que prevê a entrega no mesmo dia da compra significa muito mais do que “apenas” uma transportadora eficiente. É necessário construir um ciclo de vida do pedido de forma eficaz e fluída, para que essas características possam ser sentidas pelo consumidor desde a decisão e início do processo de compra.
A partir do recebimento do pedido, o ciclo interno deve ser ágil, com validações de pagamento integradas ao sistema antifraude. Posteriormente, a tarefa cabe ao time da operação, seja em centros de distribuição, dark stores ou direto da loja. Depois que o produto é separado e embalado de maneira padronizada, o pedido, agora materializado, é disponibilizado no menor tempo possível para o transportador, seja ele próprio ou terceirizado.
“Obviamente, esta entrega deve estar integrada às tecnologias que possam apoiar o consumidor final e a empresa na rastreabilidade do pedido com informes periódicos, utilizando, por exemplo, serviços de mensageria”, afirma Paciolo.
“Na teoria, parece tudo muito prático de ser alcançado, principalmente atuando sob o princípio da omnicanalidade. Na prática, muitos desafios e barreiras a serem vencidos. A dimensão geográfica do Brasil pode ser encarada como um primeiro desafio, contemplando variáveis completamente distintas, tais como os modais de transporte, culturas externas e internas desde a operação à entrega desse pedido. Ou seja, entregar no Oiapoque tem uma receita bem diferente do que entregar no Chuí, passando inclusive por players distintos, uma vez que a eficiência de parceiros também está muito ligada à sua regionalidade. Nesse sentido, a tecnologia pode ser um fator crucial para dar a velocidade e rastreabilidade à cadeia, porém ainda não é acessível para todo o elo de fornecedores e terceiros”, complementa.
De acordo com ele, um dos principais desafios é como universalizar essa conduta. Segundo o indicador de consumo MCC-ENET, produzido pela Neotrust (antiga empresa Compre & Confie) e a camara-e.net, o crescimento do canal online foi de 73,88% no ano de 2020, representando mais de 60 bilhões de faturamento. Esse crescimento do caminho de ida gera também um aumento na necessidade de uma logística reversa eficiente, ou seja, o caminho de volta.
Nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 30% das vendas online geram devolução. Trata-se de um comportamento entendido como natural já que, enquanto a tecnologia não é capaz de ser fidedigna à realidade na hora de comprar e experimentar um produto, a resposta imediata é disponibilizar para o cliente experimentar em local de sua preferência.
“Tornar-se eficiente nesse processo é fundamental, uma vez que, rompida a barreira da primeira hora de entrega, o alvo é ter essa devolução retornada à unidade o mais rápido possível, com disponibilização de crédito para o consumidor em tempo recorde. O quão distante estamos dessa realidade hoje no Brasil?”, questiona o consultor da AGR.
Precificação
Ainda que o preço tenha deixado de ser o único fator de relevância na tomada de decisão de compra do consumidor, ele não perdeu inteiramente sua importância no meio online. De acordo com Rodrigo Catani, por mais que as marcas estejam desenvolvendo cada vez mais projetos de “Anywhere Channel”, seus consumidores não entendem eventuais diferenças na precificação dos diferentes canais.
“Apesar dos diferentes canais de vendas possuírem lógicas bem diferentes na construção da precificação, o consumidor não enxerga (e nem deveria) essas diferenças, ele realmente espera os mesmos preços nos diferentes canais, pois a relação dele é com a marca. Esta é uma das regras de negócios mais importantes a serem definidas na construção das jornadas, pois o e-commerce é usualmente um canal de vendas mais dinâmico e mais ágil do que os canais físicos”, afirma o consultor.
“Recentes pesquisas em diversos países comprovaram que essa diferença de preços por canais é um dos itens que mais levam à insatisfação do consumidor, gerando reclamações e um ‘boca-a-boca’ negativo. A decisão de trabalhar com preços sugeridos ‘cheios’ entre os canais na precificação original já é algo bastante praticado pelas empresas, porém isso cai por terra em campanhas promocionais de qualquer um dos canais. Em geral, as empresas têm optado por igualar os preços entre os canais quando há uma divergência apontada pelo consumidor, evitando assim possíveis insatisfações. Neste caso, o que precisa ser decidido é como fazer o acerto gerencial dessa diferença entre os canais, pois afeta metas de vendas, resultados, KPIs, impostos, etc.”, complementa.
Para o consultor, não se recomenda abandonar toda a inteligência de pricing neste novo cenário. No entanto, o modelo “Anywhere Channel” provoca algumas reflexões importantes sobre as práticas e políticas de precificação a serem adotadas para cada empresa. A prioridade, é claro, é a satisfação do consumidor, mas não se deve esquecer das implicações para o backoffice da empresa e para as operações das lojas.
Transformação digital
A AGR Consultores ressalta que a transformação digital deve ter como objetivo principal trazer vantagem competitiva para o negócio, além de promover crescimento de resultados por meio de eficiências em processos, tais como aumento de produtividade, melhoria no tempo de resposta ao cliente, redução de erros, automação de tarefas manuais, maior visibilidade para planejamento, entre outras.
Nesse sentido, a consultoria apontou um passo a passo de como conduzir um processo de transformação digital de forma a obter essas reais vantagens competitivas:
Mergulhe fundo: nosso primeiro passo é entender, promovendo um diagnóstico de nossas operações. Quais os problemas mais significativos de hoje? Quais deles podem ser resolvidos pelo uso de novas tecnologias? Que processos poderão ser mais impactados (positiva ou negativamente)? Quais vantagens competitivas eu já possuo e que podem ser alavancadas? Assim como na medicina, um diagnóstico correto permitirá que você atue nas questões-chave do seu negócio e não em sintomas ou outras coisas baseadas apenas em percepções. Além disso, o diagnóstico deve ter uma visão abrangente e integrada do negócio, com envolvimento de todas as áreas e macroprocessos.
Priorize sua lista de desejos: agora que temos uma fotografia atualizada e ideias do que evoluir, podemos avaliar e priorizar quais os processos e as mudanças mais impactantes, quais os requisitos que devem ser atendidos por novas tecnologias e quais são as tecnologias capazes de fazê-lo. É a famosa lista de desejos, coisas que a ferramenta ou tecnologia deverá entregar. Quanto melhor for feito o diagnóstico e a lista de “desejos”, mais assertiva será a definição e implantação das ferramentas. Normalmente é aqui que as empresas se perdem – não conseguem entender o que precisam (soluções), porque não entenderam por que precisam (problemas ou oportunidades).
Avalie as opções: um tempero novo para reforçar estes pontos é o fato de que, até pouco tempo atrás, tínhamos grandes ERPs com seus módulos integrados em soluções únicas e em poucos players, sistemas estes normalmente criados com foco em alguma área, como contabilidade, produção ou venda no varejo. Atualmente, são milhares de players e módulos que oferecem soluções especializadas e se integram em tempo real, aumentando muito as opções e, com elas, os níveis de investimento e aderência. Startups, com pequenas e médias soluções, estão cada vez mais presentes nos mapas de soluções das empresas, resolvendo problemas e facilitando processos de negócio, com custos mais atraentes, agilidade de implantação e integração com ERPs.
Se as etapas anteriores forem percorridas com eficácia, a implantação será a próxima e mais longa etapa, mas que seguirá totalmente facilitada e bem direcionada. Aí sim, sua operação Anywhere Channel lhe trará benefícios ao invés de apenas representar desafios complexos à sua cadeia de suprimentos.
Escrito por: Redação