Possibilidade de reforma tributária anima empresariado brasileiro em meio à crise
Diante das milhares de notícias negativas geradas pela pandemia de Covid-19 no Brasil e no mundo, ao menos uma informação divulgada em julho trouxe esperança de dias melhores para empresários e empreendedores brasileiros no âmbito econômico. O ministro da Economia, Paulo Guedes, entregou ao Congresso a proposta de reforma tributária do governo, que pretende, entre outros pontos, simplificar o complicado sistema de tributos do País.
O assunto é tema de preocupação para quase todo o empresariado brasileiro. Segundo pesquisa recente da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas), SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) e Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), 96% dos empresários no Brasil apontam a alta carga tributária e a complexidade do sistema de arrecadação como as principais barreiras para o desenvolvimento nacional.
A esperança com a apresentação da proposta do governo neste momento é que ela seja incorporada aos projetos já em tramitação na Câmara e no Senado, em comissão especial mista. Na ocasião de entrega da proposta por Guedes, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, mostrou-se otimista em relação ao aumento de investimentos no Brasil em decorrência da reforma.
“Hoje o governo federal entrega parte para ser acoplada aos debates e aos temas construídos na comissão para que a gente saia com uma proposta uníssona de reforma tributária. Damos mais um passo significativo no rumo da sonhada reforma tributária brasileira. Um emaranhado de legislações, portarias e resoluções complicam a vida dos investidores, atrapalham o ambiente brasileiro e, com ela [reforma], teremos a oportunidade de construirmos esse novo ambiente propício para o desenvolvimento”, afirmou.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também falou na cerimônia e reforçou que a simplificação tributária poderá gerar empresas e ampliar a renda da população. “Independentemente do que vai ser aprovado, o importante é que, em conjunto com o Poder Executivo, a gente possa avançar numa reforma tributária que, de fato, dê segurança jurídica para o setor produtivo investir no Brasil, gerar emprego e renda”, disse.
De acordo com o ministro Guedes, a proposta do governo tem o objetivo de complementar os projetos da Câmara e do Senado, já em discussão no Congresso. Assim, o governo apenas abordou uma simplificação de tributos federais.
“Trazemos o IVA, o Imposto sobre Valor Adicionado dual, […] mas nunca porque quisemos ter só o imposto federal, mas para complementar a reforma da Câmara, que já era a do IVA a nível de estados e municípios. Em sinal de respeito, nós oferecemos uma proposta técnica do IVA, mas com apoio total ao que está estipulado na PEC 45, que busca o acoplamento desses impostos”, completou.
Guedes, entretanto, esclareceu que o governo ainda irá enviar ao Congresso propostas em relação a outros tributos – como Imposto de Renda, dividendos e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) –, que poderão ser acrescentadas aos textos atualmente em discussão. Já o IVA dual prevê a unificação de diversos tributos em dois impostos: um federal e outro regional. Em tese, tributos como o IPI e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) poderiam ser unificados, mas o ministro explicou que, no nível federal, o IVA fundirá o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição sobre o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Propostas no Congresso
Antes da entrega do projeto do governo por Paulo Guedes, duas propostas de reforma tributária tramitavam no Congresso: a PEC 45/2019 na Câmara dos Deputados e a PEC 110/2019 no Senado Federal. No início do ano, a Agência Brasil consultou especialistas e concluiu que propostas são semelhantes em seus objetivos, mas diferentes no conteúdo (abrangência, prazos de transição e grau de autonomia de União, estados e municípios de fixarem alíquotas de impostos, taxas e contribuição).
“As duas [PECs] propõem a substituição dos principais tributos de produtos e serviços – o ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), o ISS (Imposto Sobre Serviço), o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e o PIS (Programa de Integração Social)/ Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) – pelo Imposto de Bens e Serviços (IBS), que é um imposto do tipo valor adicionado”, explicou o economista Bernard Appy, ex-secretário executivo e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003 – 2009) e diretor do Centro de Cidadania Fiscal, o think tank responsável por elaborar a PEC 45 que foi apresentada na Câmara pelo deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP).
“As duas propostas tentam simplificar e tornar menos oneroso o recolhimento dos tributos, do ponto de vista da burocracia, do tempo necessário para gerir essas obrigações tributárias. E, ao mesmo tempo, promover uma uniformização tributária no âmbito federal, de modo a acabar com aquilo que tem se chamado de guerra fiscal, cujo principal elemento de disputa é o ICMS”, acrescentou Luiz Alberto dos Santos, consultor do Senado Federal e professor da Ebape/Fundação Getulio Vargas (FGV).
Appy explica que ambas as propostas, de fato, acabam com a guerra fiscal na prática. O tempo de transição da reforma, entretanto, é algo que difere entre os dois projetos. No caso da PEC 45, há dois prazos. O IBS será implantado em dez anos no que diz respeito à extinção integral dos antigos tributos e a vigência plena do novo. Para a conclusão da partilha da receita do novo tributo entre os entes federativos (União, estados e municípios), o prazo é de 50 anos.
No caso da PEC 110, mais impostos são consolidados no IBS e os prazos previstos são mais céleres: seis anos para extinção de antigos tributos e dez anos para a conclusão da partilha. Para que a guerra fiscal chegue ao fim, as duas propostas indicam a adoção do princípio da tributação no destino. Ou seja, a receita será recolhida e arrecadada pela unidade da Federação ao qual o produto se destina e não onde é produzida. Para Santos, a substituição do princípio da tributação na origem pelo princípio da cobrança no destino é o principal elemento capaz de reduzir a guerra fiscal no Brasil.
Na opinião de Appy, esse arranjo terá efeito na produtividade das empresas e no crescimento econômico. “As empresas acabam por escolher seus centros de distribuição não por onde minimiza os custos de logística, mas minimiza os custos tributários. Do ponto de vista econômico, perde produtividade, gasta mais capital e trabalho para fazer a mesma distribuição. Esse tipo de distorção deixa de existir”, garante o economista.
“Essa simplificação tem um efeito muito grande sobre o potencial de crescimento da economia brasileira. Uma parte do efeito mais evidente: o custo burocrático de pagar imposto – que no Brasil é o mais alto do mundo – por causa desses tributos sobre produtos e serviços e também da complexidade, que gera muito litígio”, completou.
O que ambos os especialistas, entretanto, fazem questão de afastar é a ideia de que a reforma tributária resultará na redução da carga de impostos, taxas e contribuições pagas pelos brasileiros.
“Não é intenção de nenhuma das propostas a redução da carga tributária. Vamos ter mudança na composição dos tributos e na forma de distribuição desses tributos entre os entes da Federação e como eles vão incidir em cada etapa do processo produtivo”, explicou o consultor do Senado.
“Só dá para reduzir carga tributária diminuindo dívida pública. Carga tributária é uma discussão de dívida pública. Se o País quer ter políticas públicas mais abrangentes, vai ter uma carga tributária mais alta. Se quer ter uma atuação menor do governo, vai ter uma carga tributária menor”, ponderou Appy.
Ainda que a reforma tributária não contemple todos os objetivos esperados por consumidores e empresários brasileiros, ao menos permitirá que diversas empresas possam se dedicar às suas atividades. Afinal, não há sentido que um escritório de arquitetura, por exemplo, tenha mais profissionais para cuidar de tributos do que arquitetos propriamente ditos.
Escrito por: Redação