Dan Ioschpe, presidente do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores), em entrevista à revista Mercado Automotivo, avalia os impactos gerados pela pandemia de Covid-19 no segmento de autopeças brasileiro. As consequências da crise já são sentidas pelas empresas, mas é preciso analisar também o que pode e o que deve ser feito nos próximos meses para minimizar o impacto.
Mercado Automotivo – Durante o período de quarentena gerada pela pandemia de Covid-19, houve uma mudança relevante na participação das montadoras e da reposição no faturamento das autopeças. Você entende que essa mudança sinaliza, de fato, uma tendência no setor ou foi algo apenas pontual?
Dan Ioschpe – É provavelmente uma mudança pontual, pelo adiamento na compra de veículos novos por conta da pandemia. Com a recuperação da venda de veículos novos, que já se iniciou em junho, é razoável supor que voltaremos à participação que predominava anteriormente ao longo dos próximos meses.
MA – Como você avalia o desempenho do setor de autopeças nesta crise gerada pela pandemia de Covid-19? É possível já saber o tamanho do estrago?
DI – Cerca de 70% da atividade do setor de autopeças é voltada à produção de veículos novos. Por isso, com a queda na produção de veículos por conta da pandemia, nossa atividade foi fortemente afetada também, em especial na segunda metade de março e nos meses de abril e maio. Com a recuperação da produção de veículos a partir de junho, estamos tendo uma trajetória de recuperação semelhante no setor de autopeças. As centenas de empresas que compõem o nosso setor adotaram todas as medidas possíveis para proteger seus colaboradores, o volume de empregos e as próprias empresas. A possibilidade de antecipar férias, suspender contratos de trabalho e reduzir a jornada e os salários ajudou e segue ajudando muito nessa gestão. O trabalho de todos, empresas, governo e colaboradores, vai no sentido de reduzir ao máximo as demissões e eventuais fechamentos de unidades industriais.
MA – Em relação a falências e fechamentos, você entende que o segmento de autopeças mostrou resiliência em meio aos piores meses da pandemia?
DI – O setor tem mostrado a sua grande resiliência, já apresentada em crises anteriores, como a de 2014 a 2016. A crise é grave e afeta a todos, mas com certeza seguiremos cumprindo nossa função nessa importante cadeia de valor.
MA – Você entende que faltam incentivos do governo especificamente aos players do segmento de autopeças no Brasil? Por quê?
DI – O Sindipeças tem trabalhado em três eixos básicos: a flexibilização trabalhista, para que sejam mantidas as empresas e os empregos, como descrito acima; a postergação da tributação nas esferas federal e estaduais, visando a preservação do caixa das empresas; e a irrigação do sistema de crédito para que não haja maiores problemas na cadeia de pagamentos. Parte significativa de nossos pleitos, feitos em conjunto com outros setores da economia, tem sido atendida.
MA – No cenário pré-pandemia, qual era o principal gargalo do segmento de autopeças brasileiro? Infraestrutura, sistema tributário?
DI – Os principais desafios para o setor são também os principais desafios para o País. As soluções, algumas já em curso, atingiriam positivamente todos os setores. Os melhores exemplos são a reforma tributária, projetos de infraestrutura, aprofundamento da reforma trabalhista, reforma administrativa, redução do Custo Brasil e estímulo à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação (PD&I). Destaco também a relevância dos acordos internacionais para a inserção do Brasil no mundo, desde que negociados com horizontalidade,
transparência e gradualidade.
MA – Diante de uma crise que trouxe consequências a mercados de todo o mundo, como você vê as exportações de autopeças brasileiras daqui para frente? É possível ser otimista ainda em 2020 ou só devemos recuperar mercado em 2021?
DI – As exportações brasileiras crescerão com a melhoria das condições de produtividade e competitividade do Brasil, conforme mencionei na pergunta anterior. Por isso a importância de seguirmos nessa agenda. Podemos cumprir papel mais significativo no mundo, em especial na América Latina. Com relação às perspectivas de mercado, ainda há muito pouca visibilidade, mas, ao que tudo indica, já estamos em recuperação.
MA – Qual sua avaliação sobre o programa Rota 2030 até o momento?
DI – O Sindipeças participou ativamente da construção desse regramento para a indústria automotiva. Gostamos muito do programa, que está alinhado com o que há de mais moderno no mundo. E o Rota endereça questões essenciais para a nossa agenda de competitividade, em especial o incentivo à realização de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) em nosso país, alinhado com os mecanismos utilizados ao redor do mundo.
MA – Gostaria que falasse sobre a importância da área de Pesquisa e Desenvolvimento nas empresas do setor automotivo. Você entende que investimentos nessa área são uma necessidade cada mais relevante às empresas?
DI – As ações de PD&I são fundamentais não só para o setor, mas para todo o País, como mencionei em respostas anteriores. O Sindipeças trabalha intensamente para orientar as empresas associadas a utilizar programas de estímulo à inovação que já existem e são muito bons. Temos parcerias, por exemplo, com a Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) e com a ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial). O Brasil tem instrumentos interessantes nessa área, como o Rota 2030 e alguns que necessitam de ajustes, como a “lei do bem”.
MA – Gostaria que falasse também sobre a importância do incentivo à sustentabilidade nas empresas. É possível entender essa preocupação ambiental como um diferencial às marcas do setor de reposição?
DI – Há quatro vetores de médio e longo prazos fundamentais para que o País siga a rota do crescimento sustentável: equilíbrio macroeconômico, tranquilidade institucional, combate à desigualdade social e proteção ao meio ambiente. Sem isso, é pouco provável que o País avance como todos desejam. Ou seja, mais que uma preocupação, trata-se de uma agenda fundamental para todos.
Escrito por: Redação