Em entrevista exclusiva à revista Mercado Automotivo, Daniel Randon, vice-presidente de Administração das Empresas Randon, fala sobre o legado deixado por seu pai, Raul Randon. O empresário discorre também sobre o que a empresa espera para os próximos anos da economia brasileira, especificamente em relação ao transporte de carga rodoviário e ferroviário. Confira a seguir:
Mercado Automotivo – Qual é a expectativa da Randon com o desempenho da economia brasileira neste e nos próximos dois anos? É possível ser otimista?
Daniel Randon – No mercado interno, começamos a vivenciar com maior consistência a retomada dos negócios em 2018 com maiores ou menores reflexos em todas as famílias de produtos, liderados pelos segmentos de graneleiros, basculantes, carga-geral e tanques. Ao longo do ano, o setor começou a reagir, apesar da última e prolongada crise e dos efeitos da paralisação dos caminhoneiros.
Queremos continuar trabalhando e enxergamos um novo cenário econômico, impulsionado pela queda da taxa de juros e da inflação, somado a fatores positivos, como o desempenho do agronegócio. Mas ainda estamos longe dos bons tempos de alta demanda porque experimentamos uma queda que reduziu o mercado a um terço.
No mercado externo, temos fortalecido cada vez mais nossa vocação exportadora iniciada na década de 70. Hoje levamos nossos produtos para mais de 100 países.
MA – O falecimento de seu pai, Raul Randon, fundador da empresa, está prestes a completar um ano. Qual foi o principal ensinamento que ele lhe deixou no âmbito empresarial?
DR – O legado de nosso pai é imenso, mas eu diria que um dos principais ensinamentos é o de gostar do que se faz, fazer bem, trabalhar com seriedade, fazer produtos de qualidade e valorizar as pessoas, os funcionários, fornecedores e clientes. Ele sempre dizia que máquinas e matérias-primas podem ser compradas em qualquer lugar do mundo, mas a dedicação e o comprometimento das pessoas precisam ser criados e mantidos.
Hoje temos profissionais qualificados e preparados, que conhecem a cultura da empresa e entregam resultados totalmente adequados à proposta de sempre: qualidade. Afinal, transportamos tudo que é produzido. É importante saber que a Companhia já vinha sendo reestruturada e profissionalizada há mais de 10 anos, quando o David assumiu a presidência executiva e nosso pai ficou na presidência do Conselho de Administração. Foi uma transição muito tranquila que nos deu segurança para seguir em frente, sem surpresas, mas com o mesmo rigor na gestão e administração, com razões para termos comemorado, em 21 de janeiro, o aniversário de 70 anos da empresa, que vem se renovando permanentemente nestas sete décadas.
MA – Seu pai foi reconhecido (entre outras características) pelo forte espírito empreendedor. Que análise o senhor faz do empreendedorismo no Brasil? Falta vocação empreendedora ao brasileiro? Ou são as dificuldades cotidianas e as burocracias que impedem o fortalecimento do campo empreendedor no País?
DR – O brasileiro é, em sua essência, um grande empreendedor. Veja que até há pouco tempo – e ainda tem um pouco disto – as universidades formavam empregados e não empresários. Atualmente, este movimento se intensificou e o que se vê são jovens talentosos com grandes ideias e que só precisam de um ecossistema, um apoio financeiro e alguma base de experiência para dar sustentabilidade ao negócio. Estão aí as startups.
A Randon mesmo está nesse movimento atraindo startups para aprender e ensinar, numa troca muito rica de ideias e experiências. O nosso sistema de recrutamento totalmente digital, por exemplo, nasceu de uma startup, com grandes ganhos de tempo e de recursos. Também estamos integrados a um movimento de empresários e instituições de classe e de ensino voltados à inovação para a Serra Gaúcha e também envolve startups. Temos que buscar nos associar cada vez mais ao novo e transformar as ideias em negócios rentáveis. Mas é verdade que a estrutura tributária brasileira é um grande impeditivo para a evolução empresarial tanto de quem já atua quanto de quem está chegando.
MA – A empresa percebeu algum impacto derivado da greve dos caminhoneiros do ano passado? Obviamente não há uma receita, mas há estratégias a serem adotadas em momentos de crise geral como fora visto durante a paralisação?
DR – Sem entrar no mérito, foi um movimento que realmente paralisou o País. E mostrou a fragilidade do sistema. O tema foi tratado pelas nossas entidades representativas de classe.
MA – A Randon atua, hoje em dia, em diversos países. Como “pensar” a gestão em locais de culturas tão distintas? A empresa adota uma identidade global ou prefere utilizar as particularidades de cada local de trabalho?
DR – As empresas que querem se tornar globalizadas sabem que cultura é algo precioso que deve ser respeitado. A Randon está em todos os continentes e em cada nova base procura se inserir no sistema local através da mescla de funcionários brasileiros e estrangeiros. Nossa experiência tem mostrado que este é um caminho acertado para chegarmos aos nossos objetivos. Aprendemos com eles, absorvemos, e o inverso também é verdadeiro. Assim foi na Argentina, onde nossa caminhada externa começou, e se estendeu para a China, os Estados Unidos e mais recentemente o Peru.
MA – A produção da Randon no Brasil está concentrada na Região Sul. Atualmente, quais são as principais dificuldades para atuar em todo o País: a tributação (que pode mudar de Estado para Estado) ou as condições de infraestrutura do Brasil?
DR – Quando pensamos em um novo projeto, todas as variáveis e os custos são avaliados exaustivamente. A pesada tributação é um problema que aparece em todos os Estados, em menor ou maior grau, por conta do ICMS e alguma diferença municipal. E a infraestrutura passou a ser bem decisiva porque a logística é um diferencial importante nos custos e na formação de preços, o que garantirá a competitividade final.
Foi assim com nossa unidade em Araraquara, onde estamos instalados em 122 hectares de área total, dos quais 25 mil m² ocupados pela fábrica, área administrativa e apoio. Visitamos muitas áreas e Araraquara se mostrou muito atraente por várias razões que atendiam aos interesses de expansão da Companhia. Uma delas foi a localização estratégica no centro do Estado de São Paulo, o que nos dá ganhos em termos de logística para o pleno atendimento aos mercados. A estrutura rodoferroviária foi outra condição importante que consideramos na escolha, além da disponibilidade de mão-de-obra.
MA – É possível dizer que o pior da crise que atingiu o transporte rodoviário de cargas nos últimos anos já foi superado?
DR – Estamos confiantes nisto, mas sem desconhecer que as crises são cíclicas e que também temos que aprender com elas. Ao longo dos 70 anos, aprendemos na prática que é nos períodos de baixa demanda que ficam expostas as necessidades de reestruturação. Temos feito isto e o que percebemos é que a cada novo ciclo de retomada do crescimento estamos mais fortes e adequados para os novos tempos. No segmento específico do transporte de cargas, há sinais mais consistentes de retomada. Os dados da Anfir e Anfavea já comprovam este sentimento. Conforme a Anfir, em 2018, o mercado interno brasileiro de implementos cresceu 49,10%, saltando de 60.491 para 90.196 equipamentos emplacados entre janeiro e dezembro, na comparação com o mesmo período de 2017. No mercado externo, durante o mesmo período, ainda houve crescimento de 15,36%. Já segundo dados da Anfavea, o licenciamento de caminhões novos cresceu 46% na comparação de janeiro a dezembro de 2018 com janeiro a dezembro de 2017.
MA – Há quem defenda que o Brasil deveria diversificar o transporte de cargas pelo País, utilizando outros modais. O senhor considera justa essa avaliação? É possível dizer que o transporte rodoviário deveria também receber incentivos, justamente para mitigar os diversos problemas enfrentados pelo setor atualmente?
DR – O Brasil continua basicamente rodoviarista, apesar da extensão territorial e geográfica permitirem a utilização dos diversos modais. O sistema hidroviário é muito rico e o ferroviário também, tanto que a própria Randon decidiu ingressar na produção de vagões para o transporte de cargas para aproveitar esse potencial. A unidade industrial de Araraquara foi planejada e construída para a fabricação de todos os tipos de vagões ferroviários. Os primeiros vagões produzidos na unidade foram do modelo Plataforma e, dentro do projeto de implementação das demais linhas produtivas, os próximos modelos de vagões serão do tipo Hopper.
MA – A Randon é constantemente apontada como uma das melhores empresas para se trabalhar no Brasil. Por quê? Quais valores são incentivados no ambiente de trabalho da Randon?
DR – Eu credito isto à postura de valorização e respeito às pessoas, que é um princípio da Companhia, com foco nos negócios sustentáveis. E também à política de benefícios de aperfeiçoamento profissional.
Tanto quanto tarefas a cumprir, o funcionário Randon tem desafios a vencer. Para isto, as pessoas são motivadas a crescer dentro de um ambiente onde é oferecido bem-estar, através de uma série de serviços e benefícios em várias áreas, tais como: plano de saúde próprio, assistência jurídica e auxílio-creche, dentre outros, além de programas voltados a formação e aperfeiçoamento profissionais. Na área da educação e da cultura, o Instituto Elisabetha Randon desenvolve programas próprios. Sob sua guarda estão algumas iniciativas que visam envolver proativamente e incentivar as competências da organização para o desenvolvimento social, baseando-se nas necessidades da comunidade. Entre seus programas, destacam-se o Florescer, o Qualificar e o SER Voluntário. Na área de desenvolvimento e carreira, os programas Sucessão de Gestores, Aqui Você Pode Crescer e o Programa Crescer.
Escrito por: Redação