Em obra, psicanalista destaca que a resposta aos traumas pode travar nosso pensamento crítico e gerar prejuízos em diversas situações
Chega às livrarias brasileiras uma interessante obra que fala principalmente sobre o principal motivo pelo qual travamos nosso cérebro atualmente: o trauma. Na obra “Destrave seu Cérebro” (Editora Sextante, 176 páginas, R$ 50), a psicanalista Faith G. Harper procura abordar também nossas respostas ao trauma e consequentemente as atitudes que nos impedem de viver uma boa vida.
Além disso, a autora, que é especialista em relacionamentos e traumas, destaca formas de lidar com esses traumas de maneira natural e sustentável, de modo que possamos usufruir realmente dos nossos melhores potenciais.
De acordo com Harper, nosso cérebro faz o melhor que pode para nos ajudar, mas de vez em quando nos mete em verdadeiras “roubadas”, nos fazendo ter crises de pânico, nos viciando em substâncias perigosas ou simplesmente desligando nos piores momentos.
Ainda que essas reações sejam assustadoras, elas representam apenas mecanismos que o cérebro cria para nos proteger quando percebe alguma ameaça. O problema é que, com a vida estressante que levamos, tudo parece uma ameaça. Desse modo, essas reações são desencadeadas o tempo todo, e por isso surtamos quando as coisas não acontecem como a gente espera. Mas não precisa ser assim, destaca a autora.
Em seu livro, Harper pretende ensinar o leitor a responder adequadamente às situações do dia a dia e a lidar com a ansiedade, a depressão, os traumas e os vícios. Ao apresentar conceitos da psicologia e da neurociência com clareza e bom humor, a escritora procura auxiliar o leitor a ter mais controle de suas emoções e a viver com mais calma e equilíbrio, sem estar sempre à beira de um ataque de nervos.
O trauma como trava do cérebro
De acordo com a autora, para lidar com os traumas que acabam travando nosso cérebro, o ser humano criou estratégias de enfrentamento, como a ansiedade, a depressão, os vícios e a raiva, entre outros.
“Essas estratégias são essencialmente parte do complicado processo de resposta do cérebro quando acontece algum problema na sua vida. O cérebro só está tentando fazer seu trabalho, protegendo você da melhor maneira que sabe, mas muitas vezes acaba sendo um baita de um inútil. É como um amigo que se oferece para dar uma surra em qualquer um que lhe faça mal. Pode parecer prazeroso, mas a longo prazo não resolve nada”, afirma, na obra.
Logo de imediato, a autora busca explicar melhor as razões pelas quais sentimos que nosso cérebro é uma verdadeira bagunça. De acordo com ela, temos a tendência de separar a saúde mental da saúde física, como se uma não afetasse a outra num ciclo sem fim.
“Às vezes temos a impressão de que nossa mente é um balão de hélio flutuando sobre a nossa cabeça o tempo inteiro. Estamos segurando o barbante, mas no fundo é como se ela não fosse parte de nós (embora sejamos responsáveis por tudo que há nela). Essa imagem de um cérebro sem corpo não nos leva a lugar nenhum. Não faz o menor sentido”, explica.
“E o que realmente sabemos sobre o cérebro é o seguinte: podemos dizer que parte dele mora no nosso intestino. Ali residem micro-organismos únicos que se comunicam de forma tão consistente com nosso cérebro real (através do eixo intestino-cérebro – é, isso existe mesmo) que são considerados quase que um segundo cérebro, exercendo o papel fundamental de guiar nossas emoções. […] Ou seja, em vez de ser uma coisa pouco conectada a nós e que nos coloca em apuros o tempo todo, na verdade nossa mente está bem no meio do corpo, agindo como um centro de controle, recebendo um monte de informações e tomando decisões antes mesmo de percebermos que uma decisão precisa ser tomada. Nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos vêm DESSE LUGAR. Estão profundamente enraizados em nosso corpo físico, em como o cérebro percebe o mundo ao redor com base em experiências do passado e informações atuais. Por isso, é indispensável saber como o cérebro funciona e o que acontece nele”, complementa.
O que a autora ressalta em seu livro é que o cérebro pode reagir de forma muito exagerada diante de traumas considerados leves e isso atrapalha sensivelmente nosso desempenho no dia a dia, seja nas relações profissionais ou nas pessoais.
No entanto, um dos maiores aprendizados que seu livro deixa é que o cérebro também pode ser treinado, de modo a não repetir comportamentos prejudiciais ao reagir a situações que se assemelham. “Se você é um daqueles que precisam ver para crer, vá ao YouTube e procure ‘Irmãos Lumière e a chegada do trem’. É um vídeo de menos de um minuto”, aponta Harper.
“Imagine: o ano é 1895 e estamos em Paris. Os irmãos Lumière foram os pioneiros da fotografia que apresentaram a primeira ‘imagem em movimento’ ao público numa exposição de arte. Eles estavam entusiasmados com o projeto, mas não obtiveram a resposta esperada – quando assistiram ao vídeo do trem vindo em sua direção, os espectadores surtaram, começaram a berrar aterrorizados e se esconderam sob os assentos. Todos eles. O cérebro recebeu a informação visual e alertou os presentes: ‘O TREM VAI ATROPELAR VOCÊ! SAIA DE CIMA DOS TRILHOS AGORA MESMO, SEU IDIOTA!’. Isso porque os trens eram perigosos e até então não existiam imagens de trens em movimento. O cérebro das pessoas que assistiram ao clipe enxergou o trem como uma realidade, não como um filme”, explica.
“Agora vamos voltar para o presente: seu cérebro surtou quando você assistiu ao vídeo? Claro que não. Você sabe que é uma gravação. Seus mecanismos neurais foram treinados para distinguir uma imagem de trem de um trem de verdade. E agora o seu cérebro precisa aprender a distinguir perigo real de perigo percebido. Lembre-se de que o cérebro de todos nós tem dificuldade para fazer essa diferenciação, sobretudo quando o assunto é sobrevivência, como a criança que chama todos os animais de cachorrinho até aprender que também existem cavalinhos, gatinhos, boizinhos e tubarões-brancos. Nosso cérebro vê qualquer situação como um cachorrinho”, exemplifica.
Apesar da leitura mais técnica, o livro da psicanalista busca usar uma linguagem mais acessível, assim como o uso do humor em alguns trechos, para tornar o assunto mais palatável. Como todos naturalmente desejamos destravar nossos cérebros para sermos mais eficazes no dia a dia, vale a leitura!
Escrito por: Redação