Na primeira edição de 2024, a Mercado Automotivo conversa com o executivo Robert Hilbert, que assumiu como presidente da divisão de Reposição Automotiva da Bosch América Latina em julho do ano anterior. Confira a seguir:
Mercado Automotivo – O senhor assumiu recentemente a divisão de reposição automotiva da Bosch para a América Latina. Quais os principais desafios para a função neste momento?
Robert Hilbert – A reposição automotiva é uma parte importante do setor da mobilidade, que está passando por uma grande transformação, talvez a mais profunda na história da mobilidade moderna. E isto está sendo impulsionado por vários fatores diferentes, e entre os mais importantes estão a proteção do meio ambiente, a redução de emissões e da poluição por meio da descarbonização da mobilidade, o que tem impacto na tecnologia do powertrain. Um outro fator importante é a transformação digital que facilita o que chamamos de veículos conectados e veículos autônomos, com o software se tornando o elemento cada vez mais importante na produção de um veículo, o famoso “celular com rodas”.
Todas essas mudanças tecnológicas, inclusive a digitalização, tem e terão impactos no mercado de reposição, aumentando ainda mais a complexidade para o setor automotivo, que já estava alta por causa da evolução dos veículos convencionais. Os principais desafios que vejo para a função é de continuar a manter a nossa organização constantemente preparada, atualizada e capacitada para poder lidar com esta complexidade enorme. Ter foco no mercado, nos clientes e usuários, a fim de poder responder de forma rápida às demandas mercadológicas, manter-se como um pilar forte e confiável a longo prazo e trazer inovações e soluções para os nossos parceiros no mercado de reposição.
MA – Gostaria que falasse também sobre o legado deixado por Delfim Calixto, seu antecessor, para a divisão da Bosch na região. Nesse processo de transição de lideranças, quais pontos o senhor tem “aproveitado” da gestão anterior?
RH – É uma satisfação e uma honra poder assumir a gestão da divisão de Reposição Automotiva da Bosch América Latina após uma liderança de grandes conquistas e bem-consolidada como foi a de Delfim Calixto. Sua expertise e experiência de tantos anos à frente da divisão com certeza estão contribuindo e ainda vão nos ajudar nos próximos desafios. O projeto de expansão regional na América Latina, que começou em sua gestão e estamos dando andamento, certamente é um dos que podemos citar como exemplo de excelência que será executado com a competência de um time bem gerido por muitos anos. Seguiremos trabalhando para dar continuidade aos resultados positivos, mantendo a atratividade da marca e do portfólio, além de trabalhar e inovar constantemente com os nossos programas de geração de demanda.
MA – Qual é a importância da América Latina para a divisão de reposição automotiva da Bosch? É possível aumentar essa fatia de negócios?
RH – A América Latina é uma região estratégica para o Grupo Bosch e que apresenta muito potencial, tanto que temos um plano sólido de crescimento com visão até 2030, em linha com as expectativas do nosso board mundial para aumentar a representatividade da América Latina nos negócios mundiais. Reflexo disto é a nossa presença regional há muitos anos e cada vez mais forte nos vários países do continente. Temos uma marca reconhecida no continente inteiro e um mercado muito maduro no Brasil e na Argentina. Aliás, celebramos 100 anos de presença no mercado argentino neste ano. Mas também exploramos o potencial existente nos demais países, seguindo uma estratégia muito clara de crescimento sustentável, focado na expansão do mercado de reposição automotivo. Nos últimos anos expandimos a presença por meio da incorporação dos negócios Aftermarket nos escritórios regionais da Bosch no Panamá para a região da América Central e Caribe, na Colômbia e mais recentemente no Chile e no Peru, reforçando a presença da marca em diferentes países e proporcionando muitas possibilidades de negócios. Nos demais países continuamos com a cooperação de muitos anos com distribuidores locais. E, apesar dos momentos de crise, como a pandemia, e dos cenários econômicos e políticos, acreditamos no mercado da América Latina.
Temos muitos pontos fortes, como a nossa capacidade de inovação, que faz parte do DNA da Bosch, visão de longo prazo, estratégia global definida, os próprios Valores Bosch, além de atuação em diferentes setores. Entendemos que a digitalização, a conectividade, a big data e a sustentabilidade são a base futura dos novos modelos de negócios e nossas soluções e serviços seguem essa tendência e atendem às necessidades do mercado local, gerando oportunidades de crescimento para Bosch em toda a região. Assim, o potencial para o desenvolvimento e expansão dos negócios da Bosch, não apenas no Brasil, é amplo.
MA – Ainda nesse sentido, qual é o peso do mercado brasileiro para essa divisão da empresa? As expectativas são positivas para os próximos 5 anos?
RH – O Brasil sendo a maior economia da nossa região tem um peso importante para a divisão da Reposição, que por sua vez faz parte do segmento de Soluções de Mobilidade. Como disse, o setor da mobilidade está em transformação e constante evolução e o mercado de reposição acompanha essas tendências que transformam toda a cadeia. Os próximos anos serão de mudanças e, sobretudo, de consolidação de temas já conhecidos hoje, como: eletrificação e automação, conectividade, digitalização, mudança do perfil de proprietário para usuário de mobilidade e seus impactos, mas, ainda assim, oferecendo boas oportunidades de crescimento.
Da nossa parte, direcionamos nossos esforços no investimento em todos os níveis da cadeia, com o fortalecimento das nossas relações de negócios com a distribuição, reforçando parcerias com os varejos, além de desenvolvimento e qualificação de nossa rede de serviços por meio de atualização tecnológica contínua, bem como em sistemas de gestão e dados, treinamentos, sistema de diagnóstico e equipamento de testes. Tudo isso para continuar sendo a principal opção de parceria para a rede de reparadores no Brasil.
MA – Qual seria, em sua avaliação, o gargalo mais urgente para o setor do Aftermarket no Brasil?
RH – Neste contexto, gostaria de mencionar que vejo uma importante área de melhoria no Brasil na padronização dos dados e informações dos produtos disponíveis na reposição. Entendemos que, hoje, todos os elos da cadeia de distribuição têm uma significativa perda de eficiência ao comprar e vender peças na reposição devido à quantidade de itens, montadoras, modelos disponíveis e sabemos da importância em mitigar ou até mesmo sanar essa questão por meio da digitalização do setor.
Em segundo, lamento a suspensão da inspeção veicular no país. Um procedimento essencial para aumentar a segurança dos usuários das estradas brasileiras, reduzindo o risco de acidentes que são causados por veículos em mau estado de conservação e a diminuição de consequências ambientais, pois a inspeção também analisa os níveis de poluentes e ruídos emitidos pelos veículos.
O terceiro é ligado ao avanço tecnológico: várias tecnologias diferentes aumentam muito a complexidade para o mercado automotivo em todos os elos – desde o mecânico que precisa saber fazer o diagnóstico correto do veículo para poder oferecer serviço, manutenção e reparo – até o desafio para o distribuidor e o varejo em oferecer um portfólio completo e adequado para a frota veicular circulante muito diversificada.
Ademais, preciso mencionar a falta de mão de obra qualificada para o setor automotivo que estamos vendo em várias partes do mundo, não somente no Brasil, como um outro fator que vai impactar fortemente na cadeia de distribuição por aqui.
Neste cenário complexo da reparação automotiva, entendemos que o conhecimento e acesso à informação técnica de confiança e de qualidade são algumas das principais ferramentas para o desenvolvimento de uma empresa ou de um profissional, principalmente quando falamos do segmento automotivo. Em 2023 a Bosch treinou mais 4.500 profissionais da reparação automotiva na América Latina nos diferentes formatos e temáticas. Nossos programas de cursos técnicos e de gestão de oficinas são disponibilizados nas versões online, presencial em nosso Centro de Treinamento Automotivo (CTA) em Campinas ou presencial em várias regiões do Brasil com o programa do “EVO Automotiva”.
MA – O senhor já tem experiência no mercado brasileiro. Em sua opinião, quais seriam as principais particularidades da reposição nacional frente a países europeus, por exemplo?
RH – Esta é uma pergunta interessante. Encontrei aqui uma diversidade de modelos de negócios e formas de distribuição muito grande! Um fato surpreendente para quem vem da Europa, por exemplo, porque de fora o Brasil está sendo visto como um país certamente grande, mas falando o mesmo idioma e com uma expectativa de encontrar um mercado de reposição automotiva bastante homogêneo. Mas o Brasil é bem mais complexo e diferenciado por vários fatores.
Vejo que no Brasil predomina uma distribuição “clássica” de 3 níveis, com distribuidor, varejo e oficinas. Admito ter ficado impressionado com a importância do canal varejo em grande parte do Brasil e na América Latina. Por um lado, isso é uma cadeia mais longa, que agrega custos. Na Europa e nos Estados Unidos essa cadeia é mais curta, com uma participação de mercado menor do canal varejo, com mais presença das vendas online, mas também com uma consolidação maior no segmento dos distribuidores.
O Brasil tem características muito especiais, diferenças regionais, considerando a dimensão territorial, a complexidade tributária, a logística, o que justifica algumas das soluções que encontramos aqui.
Não acredito que o futuro será de um ou de outro, mas sim que o mercado se ajustará encontrando a melhor eficiência. Além disso, cada região pode seguir com diferentes soluções. O mercado de reposição automotiva em si é muito resiliente e capaz de se adaptar!
Para a Bosch, um ponto relevante para se manter competitiva e aproveitar as oportunidades é a agregação de serviços com excelência e agilidade logística para atender um mercado cada vez mais exigente, pois preço e qualidade não são os únicos diferenciais. Também investimos cada vez mais no fortalecimento da rede de serviços Bosch Service e parcerias com as oficinas independentes para continuar crescendo. Portanto, temos em nosso radar os desafios da realidade momentânea da economia, mas estamos sempre focados no enorme potencial que temos.
MA – Qual é o impacto dos veículos elétricos para a reposição automotiva do Brasil atualmente?
RH – A Bosch está impulsionando a eletrificação das suas tecnologias e soluções para a utilização sustentável da energia a nível global. Melhorar a qualidade do ar, proteger o meio ambiente e combater a mudança climática não são objetivos distantes e abstratos para a Bosch, mas algo em que nossos engenheiros trabalham arduamente todos os dias. Queremos tornar o tráfego urbano e rodoviário livre de acidentes, de estresse, mas especialmente livre de emissões, e os nossos desenvolvimentos, independentemente do tipo de propulsão – combustível fóssil, renovável, híbrido, elétrico ou a hidrogênio com célula de combustível ou motor de combustão interna – buscam exatamente isso.
A eletrificação da mobilidade traz uma contribuição importante para a descarbonização, mas ela vem com vários desafios, como o custo elevado da bateria, a autonomia dos veículos e, sobretudo, a infraestrutura de carga e a alta demanda por energia elétrica. E ela não ajuda a descarbonizar os aproximadamente 1.4bn de veículos com motores a combustão circulantes no mundo atualmente.
No Brasil, a frota de carros elétricos ainda é pequena e deve ultrapassar 1 milhão de unidades apenas após 2030, de acordo com a previsão da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). E devido à predominância da tecnologia Flex no país, considero a combinação das duas tecnologias numa tecnologia híbrida flex como muito promissora nos próximos anos já que promove a redução das emissões, combinando a baixa emissão de CO2 do etanol com a alta eficiência energética do motor elétrico. Outros países da América Latina lamentavelmente não têm a tecnologia Flex, então, em alguns países o avanço dos carros elétricos leves e de transporte público urbano será mais acentuado. Mas aqui também, vejo os veículos híbridos como um segmento mais relevante nos próximos anos.
Na parte de distribuição de peças, a eletrificação ainda apresenta baixo impacto no Brasil e não vai diminuir significativamente a venda de peças de motores a combustão, nem outras peças no curto e médio prazos, mas é imprescindível que o profissional esteja preparado e saiba como realizar os serviços de manutenção e reparação de forma assertiva e com qualidade, considerando toda a diversidade da frota circulante no Brasil e nos outros países da região, pois existem diferenças para efetuar a troca de uma pastilha de freio em um veículo convencional em relação ao veículo híbrido, por exemplo. Ainda vale ressaltar que, quando falamos de veículos elétricos, a segurança dos profissionais das oficinas é fundamental, por conta do sistema de alta tensão. Assim, a capacitação técnica, o uso adequado de ferramentas e adequações do espaço de trabalho são importantes. O Centro de Treinamento Automotivo da Bosch já conta com um programa completo de capacitação para atuação com veículos elétricos e híbridos.
MA – Por fim, gostaria que deixasse uma mensagem a todos os colaboradores e parceiros da divisão de reposição automotiva da Bosch na América Latina.
RH – Todos nós que atuamos no setor da reposição automotiva estamos vivendo a transformação da mobilidade e as mudanças que isto está proporcionando ao nosso setor, como os desenvolvimentos tecnológicos e o surgimento de novos cenários competitivos. Neste contexto, devemos aproveitar as oportunidades criadas pela revolução do mercado de mobilidade. E a palavra “mobilidade” não se refere apenas a “transporte” como muitos podem pensar num primeiro instante. Vi uma definição da mobilidade recentemente que dizia: “A mobilidade é a capacidade do ser humano acessar tudo aquilo que garante sua qualidade de vida: saúde, educação, lazer, cultura e outros”. Isto combina muito bem com o propósito da Bosch, porque o nosso objetivo é gerar entusiasmo em quantas pessoas for possível e, ao mesmo tempo, tornar suas vidas mais simples, com produtos, serviços e “tecnologia para a vida”.
Agradeço e parabenizo todos os colaboradores da Bosch Mobility Aftermarket da América Latina pela coragem e persistência em moldarem essa transformação com muito sucesso e por aproveitar esta oportunidade incrível para deixarmos a nossa marca na mobilidade do futuro.
Escrito por: Redação