Não retornaremos à vida de antes, mas o “novo normal” promoverá uma série de possibilidades
Quando cidadãos de todo o mundo entenderam que a pandemia de Covid-19 seria mais grave do que o esperado, a consternação geral voltou-se a entender quando a vida de todos voltaria ao “normal”. Passadas algumas semanas, análises e pesquisas nos chamaram a atenção para um fato temeroso: aquilo que chamávamos de “normal” não voltaria mais, e teríamos que nos acostumar com o que filósofos e pensadores chamaram de “novo normal”.
Chamo a previsão de “fato”, pois entendo que ela independe de opiniões, espectro político e/ou orientação ideológica. Não importa o que façamos, a realidade do pós-pandemia irá nos impor um cenário completamente novo. No Brasil e no mundo.
Não se trata se “prever” o que deve acontecer logo após a suspensão da quarentena nas maiores capitais brasileiras – até porque as medidas deverão variar de estado para estado. A expectativa é que o ano de 2021 nos traga uma série de desafios de adaptação, já que 2020, no cenário mais otimista, deverá registrar retornos escalonados, com rodízios entre trabalhadores, por exemplo. Além disso, é possível dizer que o segundo semestre deste ano será fundamental para que diversos ramos da indústria e do comércio possam entender os reais impactos da pandemia, relacionados ao fechamento de empresas, redução de força de trabalho e readequação de investimentos, gastos e receitas.
Quando “a poeira assentar” será a vez de estruturar o “novo normal”, baseado nas possibilidades e dificuldades que já estarão sacramentadas. Diante das incertezas, muitos buscam traçar paralelos entre a crise atual e a de 2008. A comparação, entretanto, não é eficaz. A crise de 2008 imediatamente provocou a quebra de empresas e bancos, principalmente nos Estados Unidos, e os resultados espalharam-se ao redor do mundo em velocidades e gradações distintos.
Quando chegou ao Brasil, a crise gerou problemas, obviamente, mas não gerou de forma imediata o fechamento de empresas e o aumento do desemprego. Tais questões apareceram nos anos seguintes, influenciadas e amplificadas por diversos motivos.
Dessa vez, os efeitos não são frutos “apenas da globalização”. A crise é global e local, concomitantemente. Ainda que tenha sido registrada pela primeira vez na China, o coronavírus deixou um raio de destruição por onde passou. Destruição na saúde da população e também nas economias. Itália, Espanha, Inglaterra, Estados Unidos, Brasil. Diversos são os países que tiveram que adotar regras rígidas de isolamento para evitar o colapso de seus sistemas de saúde.
Fechamento de empresas, aumento de desemprego e paralisação de diversos setores. São todos efeitos que já ocorrem. Não são consequências esperadas apenas para os próximos meses. A situação pode até piorar, mas não será uma surpresa, e sim um desenrolar natural da situação de cada país.
Além disso, a crise de 2008 ocorreu num momento em que as famílias já estavam endividadas. Dessa vez, entretanto, o ano de 2020 representava a diversos países e setores produtivos um recomeço, uma retomada após muitos anos de retração. Não que isso facilite de alguma forma a crise financeira enfrentada por bilhões de cidadãos em todo o mundo, mas ao menos permite que seja vista uma luz ao final do túnel.
Para isso, a adaptação será necessária. Pós pandemia, será necessário entender novamente o que move os consumidores em diversos mercados. O que antes era visto como item de primeira necessidade poderá ser qualificado como supérfluo. E vice-versa. A estrutura que até então era vista como indispensável será naturalmente repensada. As dinâmicas que eram entendidas como normais, serão também questionadas.
O home office é uma tendência que, naturalmente, ganhou força durante a quarentena, mas ela não resolve os problemas de todos os setores. Diversas são as atividades que não podem ser desempenhadas de casa, que requerem a estrutura oferecida pelo empregador.
Quantos foram os funcionários demitidos no decorrer da crise? Quando as rodas voltarem a girar, diversos deles terão de ser readmitidos, graças à expertise e dinâmica de trabalho que adquiriram ao longo dos anos de trabalho. Em médio prazo, esse cenário poderá provocar uma importante reflexão nos empregadores, relacionados à valorização do trabalho desempenhado. Será mais “fácil” compreender o que é ou não necessário para o correto andamento dos negócios.
A quebra de diversas empresas, de variados tamanhos e setores, será inevitável. Ao mesmo tempo em que isso é péssimo, o cenário forçará aqueles que desejam permanecer no mercado a reinventarem-se. A apostarem em tecnologia e processos de inovação e otimização de gestão e produção.
O empreendedorismo, que até o ano passado era visto como um dos principais responsáveis por gerar receita para boa parte da população ocupada, não será uma alternativa tão simples. Falta verba – e sobram medos – para os brasileiros que empreendem por necessidade e não por opção/vocação. Sem crédito facilitado, serão muitos os brasileiros que não terão condições sequer de abrir um pequeno negócio.
Novamente, o cenário poderá gerar outras possibilidades. Sem condições de atuarem por conta própria, é de se esperar que muitos brasileiros optem por integrar seus trabalhos para oferecer uma única solução aos consumidores, em especial com o uso da internet e a exploração dos mercados em regiões mais próximas e conhecidas. Isso reduz os custos e permite um ganho que, ainda que seja menor, terá uma base mais segura.
Os desafios serão imensos, mas não há outra opção a não ser lutar. Com saúde, segurança e respeitando os hábitos de higiene, conseguiremos nos recuperar. Não em busca de um retorno a aquilo que vivíamos antes. E sim em direção a um cenário que comporte melhor nossas demandas, angústias e ambições.
Thassio Borges: bacharel em Direito e jornalista especializado em Relações Internacionais.
Escrito por: Thassio Borges