NRF Retail’s Big Show destaca as principais estratégias e os desafios que devem impactar o setor em 2024
Foi realizada, de 14 a 16 de janeiro, a NRF Retail’s Big Show, em Nova York, nos Estados Unidos. Organizada há mais de 100 anos pela National Retail Federation, a Feira é considerada uma das mais importantes do mundo quando os assuntos são varejo e consumo. Neste ano, mais de 40 mil pessoas, de 50 países, compareceram ao evento. O Brasil foi a segunda maior delegação, com 4 mil participantes e 25 empresas expositoras.
Após anos extremamente difíceis gerados pela pandemia de Covid-19, o varejo de todo o mundo buscou a tradicional Feira para ter acesso aos principais insights e tendências do setor para os próximos 12 meses.
De acordo com Ana “Popy” Tozzi, CEO da AGR Consultores, o tema central da edição deste ano foi pautado em “Make it Matter”, expressão americana que pode ser traduzida como “fazer acontecer”. Ainda segundo a especialista, que compareceu ao evento, o termo pode ser entendido como “incentivar pessoas a garantir que suas ações, decisões e esforços tenham impacto significativo na empresa, na sociedade e até na humanidade”.
As avaliações dos principais especialistas e consultores do setor são bastante próximas no que diz respeito aos maiores insights gerados pelo evento. Essencialmente, apontam como tendências a explosão na utilização de inteligência artificial; um varejo pautado pelo conceito de “fun and vibe”; a reinvenção das lojas físicas; o oferecimento de grandes experiências aos consumidores, e a resiliência do setor frente a mudanças políticas e socioeconômicas enfrentadas ao redor do mundo.
Inteligência artificial e hiperpersonalização
A popularização da inteligência artificial dominou também as palestras e os debates do NRF 2024. Um dos principais pontos, no entanto, é que os players do varejo não devem simplesmente adotar o uso de inteligência artificial sem um foco definido e um propósito pré-estabelecido. É necessário que seu uso realmente agregue valor ao negócio.
A Feira mostrou que a popularização dessa inovação permitiu que pequenos varejistas pudessem aproveitar efetivamente seus recursos. No entanto, graças às margens reduzidas e aos efeitos que ainda enfrentam a partir da pandemia, esses varejistas não podem “se dar ao luxo” de cometer erros ou quaisquer experimentações que fujam de seu core business.
É o que destaca, por exemplo, Alfredo Soares, autor, cofundador da escola de negócios G4 Educação e presidente da Loja Integrada, plataforma de loja virtual. Ao listar suas principais considerações sobre o evento, Soares ressalta que a NRF 2024 mostrou a importância de intensificar as práticas consolidadas em vez de simplesmente buscar inovações. “O custo de inovação está elevado, e a eficiência é crucial. Estratégias vencedoras mantêm a eficiência como premissa central. O varejo precisa ser eficiente por natureza, superando desafios com otimização. A inteligência artificial é a protagonista do varejo eficiente”, destaca.
Desse modo, a inovação (e aqui se encaixa o uso de inteligência artificial) deve evoluir para gerar corte de custos para as empresas. Ou seja, a redução de processos e a busca por eficiência devem focar na simplicidade.
“O foco em eficiência logística deixa claro que esse é o momento de ‘fazer acontecer’ custos menores e margens maiores. Eficiência que o varejo abriu mão na pandemia e que agora busca com resultados ainda melhores aos anos que antecederam a Covid”, complementa Tozzi.
Outro ponto que alia inovação e redução de custos está presente no aproveitamento da experiência que é gerada ao cliente. O evento destacou que o ato de fidelizar clientes tornou-se muito caro, o que incentivou as empresas a criar benefícios – e comunicá-los aos consumidores – para gerar valor à experiência proporcionada.
Para Fabio Aloi, CEO da ONE Friedman e um dos palestrantes do evento, a hiperpersonalização surge como uma tendência para varejistas que desejam atrair e fidelizar seus clientes. Nesse sentido, a Zoop, fintech de serviços financeiros, destaca que os consumidores esperam e exigem cada vez mais das marcas uma experiência unificada para interagir de maneira coesa e fluída com as empresas.
“Durante a NRF Retail’s Big Show, esse conceito estava sendo chamado de ‘experiência individual de concierge em escala’. Um dos motivos é que as pessoas querem migrar entre diferentes plataformas e pontos de contato de forma consistente e, o mais importante, natural. Outro detalhe é que os consumidores esperam que as interações com as marcas sejam baseadas em suas necessidades. Isso inclui indicações feitas pelo marketing, conversações com atendentes e vendedores, entre outras. Usar recursos e ferramentas de Inteligência Artificial é a melhor maneira de entender com mais precisão as preferências dos clientes, ler seus comportamentos, antecipar-se às mudanças e, com isso, promover a hiperpersonalização tão esperada por eles”, explica a Zoop.
“Os espaços de exposição da NRF privilegiaram os principais players de tecnologia do mundo: SAP, Oracle, Google, Meta, Amazon, IBM e Microsoft. Mas, não deixam de ter centenas de soluções incríveis e desconhecidas por nós no Brasil. As tecnologias com captura de imagem do produto estão presentes nas soluções de caixa, na leitura de prateleiras (com foco em reduzir ruptura), na movimentação de mercadoria em centro de distribuição e até contribuindo para proliferação de lojas autônomas, como Amazon Go”, complementa Tozzi.
A especialista da AGR Consultores cita um exemplo mencionado na Feira e que alia o uso de tecnologia e a hiperpersonalização para os clientes. “Soluções de vitrines com imagens 3D, até com possibilidade de conversar com o consumidor, buscam eficiência no visual merchandising, permitindo que ao longo do dia a loja tenha vitrines adequadas ao horário, à localização, ao clima e às promoções. O consenso por aqui é de que o varejo americano ficou chato! Funcional como o site, sem emoções. Voltar a ser um ponto de encontro e de diversão é urgente” ressalta Tozzi.
Fun&Vibe e reinvenção das lojas físicas
Na lógica de proporcionar experiências únicas e criativas aos consumidores, a NRF 2024 também destacou o conceito de fun&vibe para o varejo. A ideia é oferecer aos clientes lojas esteticamente bonitas, tecnológicas e que carreguem personalidade e emoção.
Não é algo simples, obviamente, mas é necessário, principalmente após um período em que o varejo online foi a única opção de sobrevivência para muitos players. É preciso resgatar a importância e os diferenciais das lojas físicas.
Para o palestrante Lee Peterson, vice-presidente executivo da WD Partners, esse é um dos maiores desafios atuais do varejo: transformar lojas físicas em lugares atrativos para seus consumidores. De acordo com ele, pesquisa recente revelou que 6 em cada 10 americanos preferem o comércio eletrônico, principalmente pela conveniência proporcionada.
Repercutindo a palestra de Peterson, a Zoop ressalta que esse cenário pode representar um despertar dos varejistas para a necessidade de conseguirem, verdadeiramente, unir os mundos físico e digital.
“A ideia, portanto, é atingir uma entrega figital, que é a experiência física e virtual totalmente integrada. Fica claro que o conceito omnichannel veio para ficar no varejo. Porém, exige dos gestores ajustes significativos para atender às atuais expectativas dos consumidores”, explica a empresa.
Os dados também colaboram para esse entendimento. De acordo com Susan Reda, vice-presidente de Educação Estratégica da NRF, o tamanho médio das lojas nos EUA continuará diminuindo.
“A empresa de dados CoStar Group informou recentemente que durante os primeiros três trimestres de 2023, os varejistas assinaram contratos de arrendamento com uma média de 297 metros quadrados. Dada a diminuição da atração dos compradores por lojas de grande porte, espera-se que uma estrutura menor continue sendo tendência”, afirma.
Para Reda, é importante ser criativo para explorar de maneira inteligente os formatos digital e físico junto ao consumidor. “Outros varejistas estão misturando o físico e o digital para aumentar a aposta nas experiências de compra. Os compradores da Zara que usam o recurso ‘Modo Loja’ no aplicativo podem ajustar digitalmente sua experiência para exibir apenas produtos e tamanhos imediatamente disponíveis na loja local. O aplicativo da Target agora oferece uma experiência personalizada, dinâmica e repleta de inspiração customizada para sincronizar com a sensação de estar na loja”, comenta.
Resiliência do setor e humanização
Outros dois conceitos foram abordados na NRF 2024, embora em menor escala: a resiliência do setor e a importância da humanização. É importante refletir, por exemplo, que o varejo precisou necessariamente reforçar sua resiliência nos últimos anos. Não obstante a pandemia, o setor teve (e tem) de lidar com as guerras atuais, principalmente a que envolve Rússia e Ucrânia, e também com questões climáticas, que encareceram o preço de diversos itens essenciais às operações.
Alguns palestrantes também destacaram as importantes mudanças demográficas que deverão impactar fortemente alguns países nas próximas décadas, inclusive o Brasil. O envelhecimento da população, dentre diversas consequências, gera também mudanças nos hábitos de consumo.
O varejo precisará lidar com essas questões sem a possibilidade de esperar por tempos mais calmos, já que os últimos anos comprovaram que os desafios seguirão presentes por muito e muito tempo.
Além disso, alguns palestrantes ressaltaram a importância da humanização das relações, seja no ambiente profissional, familiar ou entre amigos.
“Em diversos momentos do evento, líderes e empreendedores enfatizaram a necessidade de nos aproximarmos de pessoas. Magic Johnson e Drew Barrymore revelaram que o sucesso de seus negócios está pautado na relação com família, com os seus times e seus sócios. Kyle Leahy, CEO e founder da Glossier, e Shay Mitchell, CEO da Béis, debateram sobre uma sociedade carente de relações próximas. Fundador da DICK’s Sporting Goods, Edward Stack selou o assunto com: envolva-se, aproxime-se do seu time e escute”, contou Tozzi.
Setor automotivo
O varejo de autopeças guarda uma particularidade que deve sempre ser considerada nas análises de tendências e cenários. O consumidor (ou o mecânico) aciona a loja de varejo automotivo geralmente em um momento não muito agradável, no qual enfrenta um problema que pode estar afetando seriamente sua locomoção.
Nesse ambiente, a demanda primária do consumidor não está relacionada somente ao preço dos itens, mas à disponibilidade das peças e à tentativa de reduzir os danos o máximo possível. Ou seja, o cliente precisa (e quer) a peça na hora, de uma forma simples e eficiente.
Ainda assim, as maiores varejistas no Brasil cresceram nos últimos anos quando passaram a oferecer aos clientes outros produtos e experiências. São itens e serviços que geram comodidade e facilidade a consumidores e mecânicos e proporcionam valor a uma experiência de compra que inicialmente estaria limitada a uma demanda em meio a uma situação desagradável.
Dessa forma, o setor de autopeças (e o automotivo, de modo geral) precisa seguir reforçando valores como humanização e hiperpersonalização, de modo que os clientes sigam valorizando (e, na maioria das vezes, preferindo) a experiência que encontram em uma loja física.
De qualquer forma, uma coisa é certa: quem compareceu ao NRF 2024 saiu do evento, no mínimo, animado com as expectativas previstas para os próximos meses (e anos) no varejo. Ainda que as realidades dos países dos participantes sejam um tanto distintas, diversos insights e tendências debatidas no evento são facilmente aplicáveis aos setores varejistas de vários locais. Vale se inspirar no conteúdo para pensar e repensar as estratégias para 2024.
Escrito por: Redação