Frequentemente, o pensamento corporativo toma como referência o tempo. Trata-se de uma justa preocupação. Nesta era de múltiplas conexões, temos mais tarefas e menos tempo. Muitas vezes, a pressa apresenta-se como motor de nossa sociedade.
Quem não sabe administrar seu tempo está em maus lençóis. Perde oportunidades, amplia vulnerabilidades e, de quebra, coloca em risco a saúde. Muitas das chamadas doenças modernas, como a hipertensão e a diabetes, estão associadas ao estresse gerado pela pressão do tempo.
Pouco se discute, no entanto, sobre a gestão do espaço. O tempo é uma medida, uma abstração. O espaço, ao contrário, é contundentemente real. Tem materialidade.
Muitas vezes, a infelicidade urbana provém justamente de um conflito entre tempo e espaço. É um tormento que os paulistanos, por exemplo, conhecem muito bem.
Como percorrer, em uma hora, o espaço entre a Avenida Faria Lima e o aeroporto de Cumbica?
No Rio de Janeiro, o problema é geograficamente singular. A ocupação do espaço urbano sempre foi motivo de confrontos e tensões.
Nos retalhos habitáveis, bairros de famílias abastadas ganharam como vizinhos os morros, ocupados pelos desfavorecidos. O contraste é chocante e perigoso, ainda hoje.
Em outras grandes cidades do mundo, a concentração das atividades econômicas tem exigido que mais pessoas ocupem o mesmo espaço.
As metrópoles se verticalizam, mas não há segundo andar ou terceiro andar nas ruas e avenidas.
Cada espaço é duramente disputado. Perde-se rapidamente a noção de gentileza e solidariedade. O espaço urbano é cada vez mais espaço vital, escasso e valioso.
Nos últimos meses, temos presenciado uma escalada da violência no território congestionado da capital paulista.
Um cidadão de posses atravessa a cidade atirando em outros motoristas e transeuntes. Um publicitário perde a vida depois de uma perseguição policial. Arrastões em prédios e restaurantes levam o terror a bairros nobres.
O que será, afinal, que está ocorrendo com o nosso espaço?
Recorro a um capítulo especial de meu livro A Economia do Cedro para refletir sobre a questão.
Quando penso na primeira aula que ministrei, lembro (com algum esforço) de que ocorreu em 8 de agosto de 1980. A data, sozinha, entretanto, não me proporciona qualquer sensação especial.
Recupero a magia daquele dia somente quando focalizo o lugar, uma das salas do campus da atual Universidade São Judas Tadeu, no bairro da Mooca, na Zona Leste de São Paulo.
Naquela noite, guiando na volta para casa, pensei muito no valor da educação e no prazer de ocupar meu lugar no espaço.
Essas emoções, no entanto, retornam mais fortes quando me recordo da garoinha fina que caía sobre as ruas quase desertas da metrópole. É um registro de afetos associados ao espaço.
Edward Relph, o famoso geógrafo canadense, explica. Ele afirma que um lugar guarda muito mais que o sentido geográfico de localização.
Segundo o especialista, o que conta neste caso é a experiência ali vivida, como a necessidade que temos de criar raízes e de sentir segurança.
Seu colega sino-americano Yi-Fu Tuan resumiu isso da seguinte forma: “O lugar é um centro de significados construído pela experiência”.
Para facilitar a compreensão, vamos recorrer ao bom exemplo. O Taj Mahal, sozinho, é somente uma construção enorme em Agra, na Índia.
Isso muda de figura quando descobrimos sua história e estabelecemos uma relação afetiva com o monumento.
Foi erguido com a força de 20 mil homens e 4 mil elefantes, por ordem do imperador Shah Jahan, em memória de sua esposa Aryumand Banu Begam, que morreu ao dar à luz seu décimo quarto filho.
Se somos, pois, indiferentes, inseguros e infelizes é também porque nos falta uma gestão holística do espaço.
É o que diz Cameron Sinclair, co-fundador e CEO da Arquitetura para a Humanidade, organização que oferece soluções para a ocupação de espaços em situações de crise, como guerras e terremotos.
O projeto também se estende ao atendimento das necessidades de comunidades carentes ou em situação de risco.
Sinclair afirma que o crescimento rápido das cidades causa vazios econômicos e sociais. Segundo ele, se a estrutura não é amigável, se não gera cooperações e oportunidades, o resultado é a instabilidade e a insegurança.
O especialista, que esteve recentemente no Brasil, afirma que planejar o espaço é muito mais do que colocar um telhado sobre a cabeça de cada família.
De acordo com o expert, o objetivo dos gestores públicos e privados deveria ser buscar relações sustentáveis e sinergias.
Ele tem razão. O espaço deve ser moldado para estabelecer compartilhamentos e trocas. Sem o espaço limpo e seguro, não existem negócios e a própria economia se desarticula.
Este é o grande desafio também da indústria da construção. Muitos condomínios são extraordinariamente bem planejados. Economizam energia, oferecem áreas de lazer e estimulam a boa convivência.
Muitas vezes, no entanto, todo esse cenário se desfaz na rua, onde o poder público se faz perceber pela ausência ou pela incompetência.
Para um mundo mais saudável e mais seguro, necessitamos urgentemente de uma convergência de esforços na gestão do espaço. Nesse processo, você também tem responsabilidades. Cada metro quadrado humanizado conta, e conta muito.
Carlos Júlio é professor, palestrante, empresário e escritor. Leia mais artigos do Magia da Gestão. Siga @profcarlosjulio no twitter e seja fã no Facebook.
Escrito por: Carlos Júlio