Ao combinar conceitos de customer experience e customer success, empresas atingem com mais eficácia as demandas de seus clientes
Quando a pandemia de Covid-19 tornou-se uma realidade no Brasil, em meados de março de 2020, muitos naturalmente acreditaram que o problema seria passageiro, e que as atividades retornariam à normalidade em algumas semanas. As semanas tornaram-se meses, os meses tornaram-se trimestres, e cá estamos, com mais de um ano convivendo com este novo cenário.
O que se viu ao longo de 2020, e também no primeiro trimestre deste ano, é que a recuperação das empresas e dos setores, de forma geral, foi tanto mais rápida quanto seus processos de adaptação. Ou seja, aqueles que perceberam que o cenário turbulento não seria pontual e deixaram de reclamar das circunstâncias, conseguiram projetar soluções e respostas que atendiam de forma mais eficaz às (novas) demandas de seus consumidores.
Para Eduardo Carmello, fundador da Entheusiasmos Consultoria em Talentos Humanos, parte desse novo mindset está relacionado à prática do design selling. Ainda segundo o especialista, durante a pandemia, 97% dos vendedores “empurraram” aos clientes produtos que estes não desejavam. Somente 3% procuraram investigar como, de fato, poderiam ajudar a solucionar as necessidades ou tarefas que os clientes precisavam realizar.
“Ou seja, praticaram uma combinação de customer experience e customer success. Aqueles que têm esta capacidade de se preocupar com o singular, com o contextual e com o sistêmico (que diz respeito à capacidade de oferecer um conjunto de soluções, um conjunto de funcionalidades que vai marcar o relacionamento com o cliente a longo prazo) vivem um novo mindset e praticam o design selling. Nessa abordagem, o cliente deixa de ser apenas uma meta e passa a ser um propósito, uma razão. É como se você conseguisse oferecer, ao mesmo tempo, uma experiência e alguma informação relevante para o cliente, alguma estratégia, algum conhecimento que impacte também no negócio dele. É esta a mudança cada vez mais presente nas organizações”, explica Carmello.
Design selling é um conceito recente que procura considerar a prática da ambidestralidade nas vendas. Ou seja, manter duas agendas paralelas e ao mesmo tempo convergentes. O vendedor mantém o trabalho tradicional de buscar atingir a meta do mês e ao mesmo tempo procura inovar em seu trabalho, sempre com o propósito de capturar e gerar valor.
“É superimportante estruturar essa agenda ambidestra o quanto antes para não ficar para trás porque, enquanto você pensa em fazer uma nova funcionalidade para o seu cliente e entregar daqui a um mês, a Amazon e o Instagram estão entregando isso a cada semana. É preciso adicionar velocidade a esse processo”, completa.
O especialista menciona, por exemplo, uma estrutura de trabalho ainda muito enraizada nas empresas tradicionais. Ao receberem demandas para adicionar inovação às vendas, promovendo também valor aos clientes, as áreas de marketing ou customer experience costumam buscar informações no campo, diretamente com aqueles. Após traduzirem essas informações, estas áreas as organizam e as repassam para que a área de vendas possa incorporar esses insights às suas práticas diárias.
Ocorre, no entanto, que esse processo demanda tempo e muitas vezes retorna à área de vendas com informações não tão eficientes para o time que lida diretamente com os clientes. Carmello ressalta que a área de vendas já está diariamente no campo e pode utilizar diretamente as informações que seus clientes disponibilizam, economizando tempo em todo esse processo.
Agenda de inovação
Essa agenda diária de inovação do time de vendas, no entanto, não nasce da noite para o dia. Ao contrário, é preciso implementá-la seguindo conceitos e estratégias claras, de modo a reforçar com todos os profissionais a importância e os ganhos oriundos dessa nova forma de atuar.
“Para criar e cumprir essa agenda de inovação é necessário passar por quatro etapas: aumentar a identidade abrangente, conhecer a jornada de compra e em qual estágio o cliente se encontra, entender como capturar valor no momento do planejamento e no momento de campo e entender como entregar valor em cada estágio da jornada daquele cliente”, resume o especialista.
De forma resumida, essas quatro etapas estão associadas ao conceito de design thinking e aos pilares de listen, learn e delivery. O primeiro pilar aponta para a necessidade de compreender as dores, necessidades e soluções mais adequadas a cada cliente. Além disso, é preciso que o profissional conheça de forma profunda a jornada desse cliente, de modo a relacionar com clareza quais são suas riquezas e seus insights. A etapa de learn está diretamente relacionada a esse trabalho de capturar e processar o conhecimento obtido junto ao cliente.
Já o pilar de delivery está relacionado a transformar o conhecimento adquirido em soluções inovadoras ao cliente. Sejam elas incrementais ou disruptivas. De acordo com o pesquisador, uma empresa que pratica o customer experience está capturando, processando e entregando valor de forma contínua. Como exemplos de empresas nesse perfil, é possível citar redes sociais como Facebook e Instagram, que adicionam constantemente novas funcionalidades com foco nos usuários.
Etapas do design selling
Conforme explicou Carmello, é possível dividir em quatro as etapas para implementar de forma eficiente o design selling. Na primeira, identidade abrangente, o profissional deve se perguntar o que pode fazer para o cliente, além de ofertar tradicionalmente seus produtos. Ou seja, como aumentar o nível de empatia com o cliente para conseguir atender demandas mais complexas e até subjetivas?
“Como perceber se o produto que você vai oferecer será essencial naquele momento? E se ele não for essencial, que informações você pode capturar para desenvolver soluções complementares a ele? Que outras coisas podem ser desenvolvidas para melhorar não só a experiência, mas também o sucesso do cliente? Fazer isso é praticar o design selling. E qualquer um pode agir assim, basta ampliar seu mindset para além do transacional”, explica.
“Depois de capturar essas informações, seguem os seis estágios da inovação: empatizar, definir, idealizar, prototipar, testar e implementar. As soluções podem ser rápidas, quase imediatas, ou podem demorar mais, depende de cada caso”, completa.
É necessário também entender a jornada de compra do cliente. O vendedor precisa perceber em que fase seu cliente está e que tipo de informações serão necessárias para levá-lo ao próximo estágio. Se o cliente está, por exemplo, na fase de consideração do produto, é necessário pensar o que é possível fazer para que ele avance à fase de experimentação. Nesse âmbito, será que não seria uma solução promover alguma demonstração ou degustação de seu produto? Caso ele esteja na fase de avaliação, não seria possível pensar em determinados critérios que ele está utilizando para decidir e que não foram considerados em seu processo de venda?
A terceira etapa é a captura de valor, segundo o especialista. De acordo com ele, essa etapa possui dois momentos: o planejamento e o campo. No planejamento, é feito o desenho de uma experiência diferenciada para capturar e entregar. É necessário que o vendedor se questione: quem é o cliente? Em que fase está? Qual é o indicador? O que ele precisa? Quais os critérios de valor?
“O planejamento é o momento de identificar onde estão as maiores dificuldades da equipe de vendas e, de posse dessa informação, utilizar o design thinking para fazer o redesign da técnica de vendas, caso seja identificada a necessidade. No campo é a hora de descobrir o que está acontecendo e o que é necessário naquele momento específico”, explica.
Por fim, o design selling também compreende a etapa de realizar entregas contínuas de valor. Para o especialista, a capacidade de produzir experiências muito diferenciadas aos clientes está diretamente ligada à capacidade do vendedor de ouvir seus problemas, necessidades e desejos e entender as riquezas e complexidades que são mais visíveis quando se atua diretamente no campo.
Em seu trabalho de pesquisa, Carmello conta um caso que ilustra uma experiência muito diferenciada ao cliente e que, na teoria, nada tem a ver com o produto ofertado a ele.
“O vendedor foi fazer uma visita a uma médica. Ao chegar lá, ela lhe pediu que fosse rápido porque a mãe dela acabara de ter um AVC isquêmico e estava hospitalizada e, claro, seu dia estava sendo difícil. Ele fez o que ela havia pedido e, ao sair da visita, consultou alguns amigos, fez algumas pesquisas e preparou um documento para ela sobre como a família deve cuidar de alguém que teve um AVC. Na semana seguinte ele enviou o documento para ela. Você consegue imaginar como essa médica se sentiu e como a qualidade do relacionamento ficou alta? Essa foi uma solução inusitada, que foi muito além dos produtos que ele tinha para oferecer ali para ela”, exemplifica.
Geralmente quando os especialistas ou consultores abordam a ideia de gerar valor aos clientes são respondidos com certo descrédito ou desconfiança. Afinal, como fazer isso em meio à crise? Como fazer isso sem ter de gastar um valor alto?
O que boa parte das empresas não percebe, no entanto, é que a geração de valor aos clientes está diretamente relacionada ao próprio processo dos vendedores de identificar e capturar os valores que são úteis aos clientes, processando-os e retornando com soluções mais claras e específicas. Trata-se, portanto, de um processo de aprendizagem, que requer determinação, organização e, principalmente, aprendizagem. Não se constrói de um dia para o outro, mas é certamente um grande diferencial de sobrevivências para as empresas, principalmente em setores que enfrentam dificuldades em meio à pandemia.
Após mais de 12 meses de crise, aqueles que seguem atuando e entregando da mesma forma que faziam no início da pandemia certamente terão problemas para manter seus negócios de forma sustentável. Algumas mudanças vivenciadas no mercado não são passíveis de escolha, são necessidades que se impõem a aqueles que desejam sobreviver.
“O convite aqui é para que você seja um especialista em aprendizagem: aprenda como capturar valor, aprenda como processar valor, aprenda como entregar valor para poder realmente se diferenciar no mercado”, finaliza Carmello.
Escrito por: Redação