Falta de confiança e erros na gestão de equipes impedem que executivos e donos se ausentem de seus negócios
Ser dono do próprio negócio não significa necessariamente ser “dono do próprio nariz”. Muitos empresários e empreendedores descobrem isso na prática, e os bônus que deveriam acompanhar uma promoção no trabalho
ou até mesmo a criação de um novo negócio acabam se transformando em ônus.
Boa parte das dificuldades que surgem nesse cenário está simplesmente associada à incapacidade do empresário/dono não conseguir se afastar ou minimamente se ausentar de seu posto por determinado período. A percepção, muitas vezes, é justa, pois não há naquele ambiente de trabalho alguém que consiga substitui-lo momentaneamente.
Por vezes, no entanto, a avaliação é exagerada, mas o empresário tem plena convicção de que o negócio não funcionaria
em sua ausência. Assim, para evitar problemas e dores de cabeças futuras, muitos donos e até mesmo empresários em posição de grande responsabilidade evitam, ao máximo, ficarem ausentes. O período de férias, que deveria ser anual, é sempre postergado e quando se percebe, lá se vão 5, 10 anos sem um merecido (e necessário) tempo de descanso.
De acordo com Marcos Guglielmi, treinador de empresários da ActionCOACH São Paulo, a situação tem se tornado cada vez mais comum, derrubando, inclusive, a ilusão de muitos empreendedores que imaginam um cenário de “regalias” quando viram donos de um negócio próprio. “Quase todo empresário montou sua empresa com o sonho de ter liberdade financeira, de tempo e de escolha. E férias pelo tempo que quiser sem ter que pensar na própria empresa estão inclusas aí. Mas, quantos dos empresários estão obtendo esses benefícios?”, questiona o especialista. Guglielmi efetivamente faz essa
pergunta nos eventos que ministra pelo País. E a resposta dos empresários que participam das atividades tem sido praticamente unânime: quase nenhum afirma estar encontrando os benefícios esperados no novo cenário.
“Ao contrário, muitas vezes estão estressados, com a saúde já não tão boa e até a família entra na dança. Diferentemente do que muitos pensam, isso não deveria ser assim. Muito trabalho não é sinônimo de resultados e, a consequência é mais sofrimento que prazer em ter a empresa que sempre sonhou”, complementa. Até mesmo a “sabedoria popular”
faz crer que o empresário não deve jamais se ausentar de suas funções. Afinal, “o olho do dono engorda o gado”, certo? Nem tanto. É fato que, ao abrir um negócio, necessariamente é preciso estar preparado para dedicar-se à nova atividade.
Muitos empreendedores, de forma absolutamente compreensível, abrem seus primeiros negócios enquanto ainda estão vinculados e trabalhando formalmente em uma empresa, em outro ramo. O objetivo é “tocar” o novo desafio no tempo que até então era livre, na parte da noite e aos finais de semana principalmente. Nesse caso, o sonho de ter o próprio negócio não é maior do que o medo de arriscar-se por inteiro em algo, a princípio, tão incerto. Muitos não suportam. Percebem
que o tempo livre não era assim tão extenso. Com o tempo, concluem que não conseguirão atuar em duas frentes ao mesmo tempo, sob o forte risco de comprometer seu desempenho em seu emprego formal, responsável pela maior parte da renda.
Obviamente, nesse cenário a ideia de que a presença integral do dono é fundamental para o sucesso do negócio, guarda sentido. Não é possível, no entanto, generalizar essa estratégia e torná-la “eterna”, sob a premissa de que o dono jamais poderá se ausentar de seu posto. Questionado se o ditado do “olho que engorda o gado” funciona, Guglielmi é enfático.
“Certamente se o empresário quer crescer e expandir a ponto de ter várias unidades de seu negócio, não. Seria improvável o dono conseguir chegar a dirigir uma empresa média ou grande com eficácia sozinho”, afirma.
AFINAL, COMO SAIR DE FÉRIAS?
Para o especialista, o empresário (quer seja o dono do negócio ou alguém com grandes responsabilidades na empresa) deve inicialmente se questionar sobre sua forma de pensar. Não é algo fácil, muito menos agradável. No entanto, logo de imediato já é possível verificar se ele carrega consigo uma ideia de que somente ele conseguirá cuidar da empresa. Esse pensamento é perigoso não apenas porque desconsidera a ausência “programada” do dono, mas porque também não leva
em consideração a infinidade de imprevistos que podem afastar alguém momentaneamente (ou por período de tempo maior) de seu posto.
Após esse exercício de consciência (que pode ser executado também a partir de auxílio profissional), o empresário entenderá se: (i) sua equipe realmente não está apta a conduzir a empresa em sua ausência; ou (ii) ele mesmo não confia
em ninguém da equipe para substituí-lo, portanto sequer sabe como seria o real desempenho de substitutos em sua função. De todo modo, o empresário entenderá que não precisa e nem deve trabalhar sozinho.
“É exatamente por isso que existem equipes, sistemas e processos dentro de uma empresa. Para que ela funcione sem o dono operando”, explica o especialista. Uma das palavras-chave a partir daí é “organização”. Ao definir que deseja
tirar férias daqui a oito meses, por exemplo, o empresário poderá se organizar para que o processo de substituição temporária ocorra de forma natural.
O primeiro passo é identificar todas as atribuições. Pense em tudo: desde aquilo que cabe efetivamente ao dono fazer até as tarefas que você poderia repassar para outro colaborador, mas não o faz por falta de confiança. Pense também no que gostaria de fazer na empresa se tivesse mais tempo. Isso o motivará a “livrar- se” de tarefas que já não deveriam estar
em sua alçada, mas que lhe tomam tempo considerável. Daí em diante é preciso voltar os olhos à sua equipe. Para quem
você pode passar determinadas tarefas? Quem tem capacidade para assumir novas responsabilidades? Quem tem mais tempo livre para assumir novas funções? Se você identificar que determinado funcionário não tem, de fato, capacidade para subir novos degraus, analise friamente se faz sentido mantê-lo em seu quadro. Quem não desempenha bem suas funções acaba por também sobrecarregar aqueles que trabalham de forma adequada.
Nesse processo de avaliação, será possível verificar os pontos fortes e fracos de cada funcionário. Não é porque você sairá de
férias que deverá repassar integralmente suas funções para uma única pessoa. É possível dividir as atribuições de acordo com as características de cada um. Haverá alguém mais organizado, outro mais proativo, e outro com maior senso de liderança. Comece então a fomentar e engajar os funcionários nos quais vê potencial para que passem, cada vez mais, a assumir novas funções e responsabilidades. O tempo permitirá desenvolver sistemas e processos que a médio e longo prazos não apenas permitirão que você saia de férias tranquilo, como também ajudarão todos em sua equipe.
Não é natural e muito menos saudável que determinada função ou responsabilidade seja de conhecimento de apenas um funcionário. Conforme exposto, imprevistos acontecem e nenhuma empresa deve ficar a mercê de um único indivíduo, sob o risco iminente de comprometer sua própria existência.
“Para tirar férias efetivas, em primeiro lugar, o dono deve mudar a forma de pensar. Deve pensar que, em médio/longo prazo, a empresa não deveria ser operada por ele. Isso vai força-lo a montar as melhores equipes, sistemas e processos.
O que, no final das contas, significa melhorar a produtividade e consequentemente os resultados”, avalia Guglielmi.
Antes de sair de férias, estabeleça metas para diversas áreas da empresa. Além de incentivar os funcionários durante sua ausência, essa estratégia permitirá que você mesmo avalie de forma mais precisa o desenvolvimento de todos após seu retorno.
FÉRIAS DE VERDADE
Quando Guglielmi fala de “férias efetivas” o especialista está se referindo ao verdadeiro significado de férias. Todos sabemos que, com o advento da tecnologia, tornou-se praticamente impossível desligar-se por completo.
Mas o esforço é necessário. “Levar” o escritório para a praia significa arrastar também as dores de cabeça e problemas
que deveriam ficar restritos ao ambiente de trabalho e não ao convívio com a família. Significa, de fato, um esforço. Você
pega o celular para verificar as redes sociais, bate o olho nas notícias e quando percebe está conferindo o e-mail e respondendo mensagens sobre o próprio negócio.
Mudar esse cenário requer perseverança e, principalmente, sinceridade consigo mesmo. Se você seguiu as etapas expostas
acima, montou uma boa equipe e estabeleceu processos adequados, não há o que temer. Imprevistos certamente surgirão,
mas tenha a certeza e a confiança de que sua equipe saberá como lidar com eles.
Muitos empresários e donos de negócios não se reconhecerão inicialmente nesta matéria. Dirão que não tiram férias porque
estão comprometidos com o negócio. Ou que não têm paciência para ficar na praia (ou no campo, ou num cruzeiro marítimo, ou até mesmo em casa).
Desconsideram, entretanto, que o período de férias não serve apenas para (o justo) relaxamento. É por meio de períodos
de descanso que o ser humano consegue repensar conceitos, explorar novas possibilidades e trazer novas ideias em seu retorno ao trabalho. Dessa forma, as férias atuam como uma forma de motivação e também como uma oportunidade rara de ver seu negócio sob outra perspectiva, olhando de fora, algo que jamais poderia fazer se não saísse nunca de seu escritório.
Escrito por: Redação