Após declarações do presidente Lula, governo explica projeto envolvendo os países da América do Sul
Após declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em viagem oficial à Argentina, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esclareceu que o projeto de uma moeda única entre Brasil e Argentina não existe. De acordo com o ministro, que falou sobre o assunto em evento com empresários dos dois países em Buenos Aires, o que está em estudo é a viabilidade de uma moeda digital comum que seria usada apenas em trocas comerciais, para reduzir a dependência em relação ao dólar.
Haddad ressaltou, ainda, que a eventual moeda comum não substituiria as atuais correntes e que a ideia é diferente da apresentada por governos anteriores. “Recebemos dos nossos presidentes uma incumbência de não adotar uma ideia que era do governo anterior, que não foi levada a cabo, da moeda única. O meu antecessor, Paulo Guedes, defendia muito uma moeda única entre Brasil e Argentina. Não é disso que estamos falando. Isso gerou uma enorme confusão, inclusive na imprensa brasileira e internacional”, declarou Haddad.
O ministro explicou que a moeda comum será discutida por um grupo de trabalho ao longo de vários anos. O objetivo, no entanto, seria dinamizar o comércio entre os países latino-americanos de maneira mais assertiva do que outros instrumentos usados no passado, como o pagamento em moedas locais dispensando o dólar e os Convênios de Pagamento e Créditos Recíprocos (CCR), tipo de câmara de compensação entre os países do continente, abolidas pelo Brasil em 2019.
“Não se trata da ideia de uma moeda única. Trata-se de avançarmos nos instrumentos previstos e que não funcionaram a contento, nem pagamento em moeda local e nem os CCRs dão hoje uma garantia de que podemos avançar no comércio da maneira como pretendem os presidentes”, esclareceu o ministro.
Visita oficial à Argentina
Nos dias anteriores às declarações de Haddad, Lula afirmou que um dos principais objetivos da moeda digital comum seria reduzir custos operacionais e a dependência de moedas estrangeiras. “Se dependesse de mim, a gente teria comércio exterior sempre nas moedas dos outros países, para que não precisássemos ficar dependendo do dólar”, argumentou o presidente à época, durante a visita à Argentina, a primeira viagem internacional de Lula após tomar posse no cargo.
Segundo Lula, muitos países têm dificuldade de adquirir dólar, e isso impede que acordos aconteçam. “Deus queira que nossos ministros e presidente de bancos centrais tenham a inteligência, a competência e a sensatez necessárias para que a gente dê um salto de qualidade nas nossas relações comerciais e financeiras”, completou o presidente.
Na ocasião, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, disse não saber ainda como essa moeda funcionaria, mas que é preciso “coragem de mudar”. “Mas, sim, sabemos o que acontece com as economias nacionais tendo a necessidade de funcionar com moedas estrangeiras e sabemos como isso é nocivo”, disse Fernández.
Após a reunião bilateral, os presidentes assinaram uma declaração conjunta abrangente em diferentes áreas. Também foram assinados diversos instrumentos de cooperação entre os dois países nas áreas de defesa, saúde, ciência e tecnologia, integração econômico-financeira e cooperação antártica.
Inflação
Haddad aproveitou o encontro com os empresários em Buenos Aires para ressaltar que uma eventual mudança na meta de inflação deve ser discutida com “sobriedade”. O ministro procurou explicar uma declaração do presidente Lula, que disse em entrevista recente que a atual meta de inflação, de 3,25% para 2023 (com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo), atrapalha o crescimento da economia.
Haddad disse ver a discussão com tranquilidade, mas acrescentou que uma inflação baixa é sempre o cenário mais desejável, sobretudo para diminuir a perda de renda das camadas mais vulneráveis da população.
“Tudo isso [a mudança da meta de inflação] tem que ser ponderado, com sobriedade, e olhando para o mercado, olhando qual é o comportamento dos preços, qual a chance de a gente convergir para uma inflação mais baixa, que é sempre o mais desejável, sobretudo pensando na parte mais vulnerável economicamente da população”, disse. “É ter tranquilidade para enfrentar esse tipo de discussão”, declarou Haddad.
Com base na meta de inflação, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decide a taxa Selic (juros básicos da economia). Nas atas mais recentes do Copom, no entanto, o órgão informou que está mirando a conversão da inflação para o centro da meta em 2024, não este ano.
Em dezembro, o órgão previa que a inflação oficial pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) terminaria 2023 em 5%, acima do intervalo superior da tolerância da meta, que é de 4,75%. Uma eventual elevação do centro da meta para 3,5% ou 4%, mantendo a tolerância de 1,5 ponto percentual, faria a inflação de 2023 ficar dentro da banda superior.
Segundo Haddad, é necessário olhar não apenas para o centro da meta, mas para os limites superiores e inferiores. “Tem chance de a gente pelo menos estar dentro da banda, que é relativamente alta no Brasil, que é 1,5 [ponto percentual para mais ou para menos]”, acrescentou.
BNDES em países vizinhos
Um outro ponto discutido durante as viagens de Lula e Haddad à Argentina carrega uma polêmica. Trata-se do financiamento de projetos em países vizinhos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Uma das principais críticas é que o órgão deveria centrar seus esforços em projetos no território brasileiro. Outros questionamentos derivam do fato de que, em um passado recente, o BNDES teria financiado projetos em países de maior alinhamento ideológico com o governo, em detrimento de outros parceiros comerciais.
Lula defendeu a retomada da iniciativa, dizendo que a atuação do banco de fomento é importante para garantir o protagonismo do Brasil no financiamento de grandes empreendimentos e no desenvolvimento da América Latina.
“O BNDES vai voltar a financiar as relações comerciais do Brasil e vai voltar a financiar projetos de engenharia para ajudar empresas brasileiras no exterior e para ajudar que os países vizinhos possam crescer e até vender o resultado desse enriquecimento para um país como o Brasil. O Brasil não pode ficar distante. O Brasil não pode se apequenar”, declarou Lula.
No discurso, o presidente também defendeu que o BNDES empreste mais. “Faz exatamente quatro anos que o BNDES não empresta dinheiro para desenvolvimento porque todo o dinheiro do BNDES é voltado para o Tesouro, que quer receber o empréstimo que foi feito. O Brasil parou de se desenvolver e o Brasil parou de compartilhar a possibilidade de crescimento com outros países”, disse.
No governo do presidente Jair Bolsonaro, o BNDES fez auditorias em financiamentos a países latino-americanos na década passada e divulgou o resultado numa página especial no site da instituição na internet. As investigações não encontraram irregularidades. Entre os que criticam a atuação do banco de fomento em países vizinhos, há quem sustente que o escrutínio sobre as transações deve ser aprofundado nesse tipo de projeto, de modo a garantir a lisura das operações.
*Com informações da Agência Brasil
Escrito por: Redação