Em entrevista exclusiva à revista Mercado Automotivo, Antonio Jorge Martins, coordenador do MBA em Gestão Estratégica de Empresas da Cadeia Automotiva da FGV (Fundação Getulio Vargas), discorreu sobre as perspectivas às indústrias e ao setor automotivo como um todo diante da pandemia de Covid-19 que afetou economias de todo o mundo.
Ainda que seja extremamente difícil e inviável prever cenários logo após a crise, Martins destaca que é preciso separar os momentos para tecer análises. O ano de 2020, de fato, traz muitas incertezas e expectativas negativas. Mas, no ano seguinte, é possível esperar por melhores condições econômicas. Confira a seguir a entrevista:
Mercado Automotivo – Ainda que o impacto tenha sido generalizado em todo o mundo, é possível mensurar os efeitos da pandemia de Covid-19 no setor automotivo?
Antonio Jorge Martins – Realmente, o setor automotivo vem sendo um dos mais afetados. Trata-se de um setor que tem grande empregabilidade, de forma geral, e, portanto, acaba sendo impactado sobremaneira não apenas na fabricação (onde concentra a maior parte da mão de obra envolvida), como também na parte de distribuição. Até porque todos os segmentos de vendas, as lojas, ainda não estão funcionando regularmente. Isso impactou bastante o setor, tanto na ponta da fabricação quanto na ponta da venda efetivamente.
MA – É possível, de alguma forma, planejar os próximos meses de pós-pandemia para a distribuição?
AJM – É preciso separar os momentos, além de pontuar que, sempre que vemos muitas considerações distintas, é sinal de que as pessoas ainda não estão com a visão clara do que efetivamente tende a acontecer. E este ano corrente está se mostrando um período de maior escuridão dentro das perspectivas do setor. Nós não temos ainda uma perfeita noção de como vai ser a reação dos consumidores. Existe ainda uma nuvem muito forte, uma neblina muito forte, quanto às reações que deverão ser ocasionadas pelo público consumidor como um todo. Não apenas em relação às visitas às lojas, mas também perante às prioridades que deverão existir nesse “novo normal”. Na prática, esse período pós-crise imediato tende a ter ainda uma indefinição muito grande.
Já para o ano que vem, visualizo uma expectativa de melhor desempenho. Historicamente, o setor caminha muito em conjunto com o PIB. E o PIB para 2021 da grande maioria das economias, inclusive do Brasil, registra expectativa de crescimento. Não estou querendo dizer que o mercado irá reagir no mesmo instante do PIB, mas, olhando-se estrategicamente o setor, espera-se um retorno a uma certa normalidade a partir do ano que vem, quando existe a expectativa de que o PIB volte a crescer. Em acontecendo esse crescimento do PIB do País, notoriamente olhando todo o histórico do setor automotivo dentro das economias e da economia brasileira, há de se esperar também um retorno a uma certa normalidade.
Resumindo: o período negro deve cessar até o final deste ano; o segundo semestre tende a iniciar um retorno a uma certa normalidade. A partir do ano que vem, quando existe uma tendência de recuperação de toda a economia, diria que o setor tende também a acompanhar essa expectativa e com isso deveremos ter alguma melhora em termos de vendas e de desempenho.
MA – Esse momento definido como “novo normal” deverá ser compreendido pelas empresas, certo? É preciso entender o que é esse novo normal e quais são as prioridades desse novo consumidor, correto?
AJM – Exatamente. Já se percebia anteriormente, por quem analisava o setor, que as próprias montadoras e lojas já estavam engajadas nesse movimento de conhecer melhor o consumidor. Ou seja, a crise nada mais fez do que acelerar essa necessidade. É preciso conhecer o consumidor e aguardar inclusive para ver como serão as reações a essa crise. Só para se ter uma ideia, essa crise atual afeta 80% dos países mundiais. A crise de 2008 afetou somente 40% dos países. Ou seja, a crise de hoje é de muito maior proporção em relação àquela de 2008, que ocorreu dentro do mercado norte-americano e acabou afetando vários outros países.
Veja, portanto, que essa crise é de uma importância muito grande, não apenas nas dimensões econômicas, mas também dos reflexos que deverão ocasionar na sociedade como um todo. E aí reside a grande dúvida de como realmente a economia tende a reagir. Que vai crescer, vai, agora como isso ocorrerá nesse “novo normal”? Como será esse “novo normal”? Não há como garantir como será. É possível ter algumas expectativas, algumas sensibilidades que efetivamente possam nortear determinadas ações, mas uma convicção absoluta está muito difícil neste momento, com toda a franqueza.
MA – Inovação e tecnologia seguem como dois temas que aproximam as empresas do setor automotivo aos consumidores?
AJM – Com certeza, não há dúvidas. O setor caminha cada vez mais no mundo para inserir a tecnologia em seu bojo, em sua base. E quando falamos em tecnologia, é preciso ter evoluções, inovações, melhorias. No setor de mobilidade veicular, todas as montadoras estavam caminhando nessa direção. Inclusive, é preciso destacar que aquelas montadoras que podem caminhar mais rapidamente nessa direção, tendem a se beneficiar. Porque hoje a tecnologia cerca os anseios da sociedade como um todo, principalmente em tempos de crise. Então, as empresas que puderem efetivamente tirar maior proveito desse sentimento, que hoje já está bem claro dentro da sociedade, tendem até mesmo a reverter eventualmente a crise que se abater sobre o setor. Falo isso em termos de montadoras, de setor de autopeças e até em termos das lojas, que cada vez mais terão de pensar em como será o modelo futuro de atuação dentro do setor.
MA – É possível ver, de fato, a pandemia como algo que irá acelerar mudanças? À parte, é claro, a crise de saúde que ela também trouxe.
AJM – Vai acelerar o movimento com foco em retorno de lucratividade e de geração de caixa. Vamos pegar um caso prático: a Apple. A cada ano, a empresa precisa se apresentar de uma forma e mostrar ao mundo que está evoluindo, que tem uma área de pesquisa e desenvolvimento atenta aos anseios do setor. Ela lança novos produtos que geram uma expectativa muito forte a ponto de consumidores se afastarem de seus países em favor de serem os primeiros a adquiri-los. Ou seja, os segmentos de tecnologia reagem de um jeito muito diferente de um setor que não tem a tecnologia, como era o setor de carro, de veículos, até então.
A mudança tem sido tão grande que, nesses 100 anos, somente agora muitas das montadoras se voltam para promover fusões, associações e alianças estratégicas operacionais. Por que isso não se deu antes, quando já havia muitas montadoras mundiais? Somente está acontecendo agora e é um sinal de que realmente estão mudando os tempos de forma significativa. Digo até mais, hoje, a necessidade de investimento é tão grande que eu tenho que investir para o momento atual, pois tenho um produto hoje e ao mesmo tempo tenho que pensar num produto futuro, que é o carro autônomo. Todas elas estão engajadas nesses dois pilares. É necessário caminhar em direção àquilo que realmente alcance os anseios dos consumidores, e hoje a tecnologia cerca esses anseios como um todo.
Não significa dizer que está tudo certo para quem inova. Mesmo hoje no Vale do Silício (EUA) temos muitas start ups que não dão certo, mas só ficamos sabendo das que têm êxito. Ou seja, teremos também dentro do setor de mobilidade veicular muitas coisas desenvolvidas que eventualmente não darão certo. Mas a pujança tem que ser muito forte. É preciso estar muito concentrado para ter uma visão futura dessa parte de inovação e desenvolvimento, e saber que eventualmente algo não dará certo. E é preciso gerar caixa para sustentar tudo isso. Não é fácil. É um setor que se movimenta de uma forma diferente de outros que estamos habituados a ver.
MA – Com sua expertise em Economia e também com base nas outras crises que já vivenciou, é possível dar algum conselho em relação ao cenário que se apresenta nesses próximos meses?
AJM – Aqueles setores que estão cada vez mais engajados em tecnologia são os setores que tendem a se fortalecer daqui para frente. O setor de mobilidade veicular tende a se beneficiar cada vez mais num futuro próximo. A questão básica é que nós tenhamos esperança e expectativa de que as coisas vão passar. E todos estão trabalhando no sentido de que passe no menor espaço de tempo possível, com as menores consequências negativas possíveis. Não é simplesmente passar por passar. O que hoje importa é passar com as menores consequências negativas possíveis e isso abrange tudo, não só o setor, mas a economia dos países como um todo. Tudo está caminhando para que a gente possa reverter esse quadro negativo que hoje se apresenta e que possamos usufruir de outros setores com vários benefícios. Entre os quais, destaco o setor de mobilidade, principalmente num momento em que o caminho para a tecnologia torna-se cada vez mais premente e indispensável em direção ao sucesso perante a sociedade.
Escrito por: Redação