Em entrevista exclusiva à revista Mercado Automotivo, Antonio Jorge Martins, coordenador do MBA em Gestão Estratégica de Empresas da Cadeia Automotiva da FGV (Fundação Getulio Vargas), analisou as perspectivas do setor automotivo brasileiro para os próximos anos. Além disso, Martins discorreu sobre o processo de formação de líderes brasileiros para atuar no setor. Confira a seguir a íntegra da entrevista:
Revista Mercado Automotivo – É possível dizer hoje que o pior da crise econômica no tocante ao setor automotivo já passou? É possível ser otimista no que diz respeito aos próximos anos?
Antonio Jorge Martins – Sim. Hoje em dia, já é possível perceber que superamos a pior crise já vivenciada pelo setor automobilístico no mercado brasileiro. Isso se deve, na prática, não somente em termos de uma melhoria do mercado interno, mas também de uma estratégia adotada pelas empresas – praticamente de todas as empresas do setor de automóveis e caminhões – de retomar as exportações.
No mundo não existem empresas que, para fazer frente às oscilações de um mercado de um país em desenvolvimento como o Brasil, não tenham que adotar estratégias como estas, de se voltar à exportação para minimizar esses altos e baixos da economia.
RMA – Que avaliação o senhor faz do Inovar Auto? Ele cumpriu seus objetivos? Ficou aquém do esperado? O que mais se esperava era o investimento em inovação de empresas no Brasil. Isso ocorreu?
AJM – Na realidade, o que o Inovar Auto determinava era que a inovação se voltasse principalmente para essa parte de motorização. Realmente, na nossa percepção, ele teve dois grandes objetivos atingidos. Um era que, naquele momento, as importações começavam a ser tornar volumosas, e ao mesmo tempo tinha-se em mente o foco de se trabalhar nessa parte de motorização. Esses dois objetivos foram alcançados. A questão básica que hoje se questiona – e é por isso que o programa Rota 2030 está demorando – é o fato de que: haveria necessidade desses incentivos para que as empresas chegassem ao mesmo estágio em que elas hoje se encontram?
Em outras palavras, para deixar bem claro, será que o próprio mercado brasileiro não é o próprio incentivo para que essas empresas possam evoluir e chegar exatamente a movimentos que caracterizem diferenciais de suas atuações, conforme requerido em todos os mercados altamente competitivos? Será que isso já não é observado no mercado brasileiro quando, após vivenciarmos 50 anos somente com quatro fábricas de automóveis e hoje já termos cerca de 24 montadoras instaladas no Brasil, essa competividade não seria a premissa básica para que essas empresas invistam e alcancem patamares de competividade necessários? Esse é o ponto.
RMA – No que diz respeito a pequenas e médias empresas do setor automotivo, até mesmo de autopeças, o senhor considera que elas já compreenderam a importância do investimento em inovação? Ou o tema ainda é um “tabu” ligado a aumento de custos?
AJM – As indústrias de autopeças não conseguem, na minha percepção, caminhar de uma forma como se apregoa e como se define um real movimento de inovação empresarial. Em primeiro lugar, temos uma grande maioria de indústrias de autopeças que são pequenas e médias empresas. Tendo sido afetadas pela crise que se instalou no Brasil nos últimos anos, não têm condições de correr na direção almejada para um nível de inovação adequado. Por outro lado, existe outro fator determinante pelo qual as indústrias do setor automotivo como um todo se habituaram, ao longo de suas existências, a usufruir de incentivos fiscais para caminhar em determinadas direções. Esse movimento está acabando. O País não tem mais como continuar suportando financeiramente, em termos fiscais, uma série de incentivos que foram concedidos. Ou seja, terá que haver uma mudança de mentalidade, de cultura por parte de uma série de empresas do setor automotivo e isso demanda tempo.
RMA – Isso especialmente para pequenas e médias empresas do setor que precisam de uma saúde financeira mais equilibrada, certo?
AJM – Exatamente. As pequenas e médias empresas têm mais esse fator. Tem a questão de cultura e também o de necessitarem de uma adequada estrutura financeira para fazer frente a esses desafios.
RMA – O senhor é coordenador do MBA de Gestão de Empresas da Cadeia Automotiva da FGV. Qual é o principal diferencial deste curso?
AJM – Nós estamos abordando nesse curso os grandes pilares de que o setor se ressente para que possa evoluir de forma a mais competitiva possível. São três pilares: inovação, liderança e visão de negócios. São os três principais pilares que o MBA se vale visando fortalecer a trajetória profissional dos executivos que se candidatam a esse curso. Então, exploramos bastante esses temas. Não que não abordemos tudo o que diz respeito ao setor automotivo. Falamos de vendas, de finanças, etc. Mas os diferenciais são exatamente a inovação, a liderança e também a parte de tecnologia, que são hoje as três vertentes fundamentais que norteiam a trajetória profissional diferenciada de um executivo.
Então eu consigo na coordenação reunir tudo aquilo que faz parte de uma base comum a qualquer curso de administração, “linkando” a inovação, a tecnologia e a liderança, fazendo com que os executivos comunguem dessas premissas para ter uma adequada visão de negócios. Isso é que é importante.
Na realidade, o setor hoje se ressente de profissionais, de executivos que cada vez mais tenham uma visão de negócios. O setor caminha cada vez mais para uma visão de prestação de serviços, e serviços não têm prazo de duração tão grande quanto o produto. A cada movimento, é preciso repensar e ter mais fortemente em mente uma visão de negócios. No MBA, proporcionamos isso através de montagens de planos de negócios.
RMA – O senhor entende que faltam líderes atualmente no setor automotivo brasileiro? Se sim, por quê?
AJM – Sim. É por isso que um dos pilares do curso é exatamente a formação de liderança. E o mercado se ressente disso. E por quê? Porque tivemos, ao longo de vários anos, a utilização desse mercado brasileiro por grandes empresas montadoras com executivos de origem estrangeira que vieram para cá para “pegar carona” em todas essas mudanças que acontecem no País em processo de desenvolvimento, para servir até mesmo de “trampolim” para esses executivos irem para posições mais elevadas em suas matrizes.
Nós tivemos isso ao longo de muitos anos, e hoje, dadas as características de um mercado extremamente competitivo, essas empresas se ressentem cada vez mais da ausência de executivos brasileiros em posições de comando em suas companhias.
RMA – Diante de sua experiência no setor, tanto em relação ao tema quanto na questão acadêmica, qual a principal deficiência encontrada naqueles que iniciam o MBA de Gestão? É possível apontar um aspecto no qual os profissionais têm maior dificuldade imediata?
AJM – Eu diria que são dois pilares principais. Até temos bons líderes, mas como fazer com que esses líderes efetivamente consigam exercer uma posição adequada de liderança? É preciso uma mudança de cultura da empresa. Como essas empresas ficaram fechadas durante muitos anos, o mercado fechou-se durante muito tempo; essa mudança cultural é pior no Brasil do que em outras localidades em que o mercado ficou sempre aberto.
Eu tenho líderes, mas, por exemplo, para exercer essa liderança, a cultura não dava espaço para isso, pois o mercado era fechado. Se nós continuarmos formando e fortalecendo novos líderes – e não falo apenas da FGV, mas do mercado como um todo – e havendo essa mudança cultural por conta de uma maior competitividade, isso (surgimento de novas lideranças) naturalmente vai acontecer.
RMA – Gostaria que falasse das perspectivas do setor automotivo para os próximos cinco anos. É possível voltar aos níveis de 2008, 2009?
AJM – Podemos sim retomar aqueles patamares, mas isso vai demorar um pouquinho. Nós estamos num país que se ressente hoje de problemas fiscais muito sérios. Então, na realidade, temos problemas fiscais, atravessamos até problemas políticos, que acabam inserindo um grau de incerteza muito grande na sociedade como um todo. Hoje, para que a sociedade retome seu poder, sua capacidade de consumo de forma mais ampla, é preciso reverter uma série de incertezas que existem em nossa economia. E isso demora algum tempo. O problema fiscal demanda até mais tempo do que o político. Não que tenhamos um prazo definido. Mas o fiscal demandará alguns anos para revertemos. Mas, de maneira geral, diria que o mercado tende a retomar sim aqueles patamares.
Não é à toa que, se pararmos para pensar, mesmo algumas empresas de caminhões com uma ociosidade da ordem de 80%, nenhuma delas se afastou do mercado brasileiro. Concluindo, as expectativas desse mercado são bastante promissoras. Isso vai ser retomado, sim. Diferentemente até de outros continentes em que não temos expectativa de crescimento tão grande como temos em nosso país. E falo também do mercado latino-americano como um todo. Hoje, quando essas empresas estão instaladas no Brasil, a visão não é somente atender o mercado brasileiro. O objeto da visão delas é principalmente o mercado latino- -americano e quem sabe até outros mais, quando realmente suas matrizes dão liberdade para isso.
RMA – Por fim, os gargalos da infraestrutura do País seriam hoje o principal desafio para o setor automotivo brasileiro?
AJM – Sim, é um dos principais desafios, até para fazer frente a esses desafios tecnológicos. Eu preciso ter uma infraestrutura em plenas condições de se valer de um suporte tecnológico adequado até para toda uma infraestrutura de carros autônomos ou de carros com cada vez mais tecnologias embutidas neles.
Por isso que eu, particularmente, condeno a necessidade de concedermos incentivos fiscais para o setor. Defendo muito mais que o País, até para fazer frente à sua crise fiscal, volte seus olhos para melhorar sua situação fiscal no sentido de atrair grau de investimento de duas agências de classificação de risco. Isso é primordial para que possamos atrair fundos e fundações de todo o mundo, que são aquelas instituições que mais investem em infraestrutura, que têm visão de longo prazo e que realmente para investir em determinados países precisam de pelo menos dois graus de investimentos concedidos por essas agências de risco.
Eu diria que o Brasil tem que se voltar para isso como forma de reduzir o Custo Brasil – acredito que a nossa infraestrutura é um dos principais causadores daquilo que se chama de Custo Brasil – e ao mesmo tempo melhorar as condições tecnológicas de tal forma a permitir que a sociedade usufrua de tudo aquilo para onde realmente o mundo está caminhando. De modo a evitar um gap desfavorável nesse aspecto em termos de países.
Escrito por: Redação