Retreinar e reciclar funcionários será essencial para sustentabilidade das empresas em um futuro próximo
Recentemente, David Solomon, CEO do banco Goldman Sachs, afirmou que considera o home office uma “aberração”. O executivo aparece na contramão de uma tendência que se tornou necessidade verificada durante o isolamento imposto pela pandemia de Covid-19. Ainda que se discorde de Solomon, entretanto, há que se considerar um ponto em sua análise que, de fato, faz sentido. A principal preocupação do CEO é com o próximo grupo de cerca de 3 mil funcionários a serem contratados que não se beneficiarão da “mentoria direta” de que necessitam.
“Estou muito focado no fato de que não quero outra turma de jovens chegando remotamente ao Goldman Sachs no verão”, afirmou o executivo. Não somente em razão do isolamento, o trabalho remoto passou a ser bem visto por diversas companhias porque permitiu grande aumento de qualidade de vida para seus colaboradores. Em metrópoles como São Paulo, o fato de deixar de gastar até 4 horas diárias no trajeto de ida e volta ao trabalho faz com que muitos funcionários dediquem esse tempo a atividades que lhes geram maior prazer e influem positivamente no desempenho que apresentam no trabalho.
Apesar disso, no entanto, como incutir em novos profissionais valores e conceitos que dificilmente podem ser reproduzidos apenas de forma on-line? Neste momento, muitas pessoas estão iniciando de maneira completamente remota em empresas, sem conhecer pessoalmente seus chefes e tampouco seus colegas de trabalho. Isso funciona como uma resolução imediata em tempos sem precedentes, mas como esse cenário deverá ser composto após mais de um ano de pandemia?
Não bastassem as mudanças que serão necessárias em meio a este período de pandemia, as empresas também precisam se adaptar a tecnologias e instrumentos que já são realidade em diversos setores produtivos. De acordo com um estudo da
consultoria McKinsey, 62% dos executivos acreditam que terão que retreinar ou substituir mais de um quarto de sua força de trabalho até 2023 devido ao avanço da Inteligência Artificial, Internet das Coisas, tecnologia 5G e automatização de forma massiva. Esse novo treinamento poderá resultar em uma taxa de turnover elevada, comprometendo o desenvolvimento e a evolução natural dos trabalhos efetuados por diversos segmentos. Pensando justamente no período pós-pandemia, essa
adaptação poderá ser determinante para garantir a sobrevivência de diversas empresas.
Mudanças históricas
Ainda de acordo com o McKinsey Global Institute (MGI), o mundo do trabalho está enfrentando uma transição histórica. Até 2030, cerca de 375 milhões de trabalhadores (quase 14% da força de trabalho global) poderão ter de mudar de categoria
ocupacional por conta das disrupções causadas pela digitalização, automação e avanços em inteligência artificial no ambiente de trabalho.
“Veremos mudanças importantes no tipo de habilidades que passarão a ser necessárias para as empresas, com implicações profundas para o rumo de carreiras individuais no futuro”, afirmou a consultoria no estudo, que também expôs o tamanho
dessa mudança no ambiente de trabalho global. “Qual a dimensão deste desafio? Em termos de magnitude, é similar à mudança do trabalho agrícola para a manufatura, ocorrida em larga escala no início do século 20 na América do Norte e na Europa e, mais recentemente, na China. Mas, se considerarmos as pessoas que precisam buscar novos empregos, estamos entrando em um território desconhecido. As transformações da força de trabalho ocorridas no passado se deram ao longo de muitas décadas, o que deu tempo aos trabalhadores mais velhos de se aposentarem e aos novos integrantes da força de
trabalho de se prepararem para a transição a novos setores em expansão. No entanto, a velocidade das mudanças hoje é potencialmente muito maior. A tarefa a ser enfrentada por todas as economias – em especial as mais avançadas – será provavelmente a de retreinar e realocar milhões de trabalhadores de meia idade e em meio de carreira. Como
observado no relatório do MGI, há poucos casos conhecidos em que as sociedades conseguiram retreinar com sucesso um número tão expressivo de pessoas”, alerta.
Investimento privado
Os executivos, inclusive, estão mais conscientes quanto às necessidades de investir corretamente nesse processo de adaptação. A McKinsey apontou que o gasto público com treinamento e suporte para a força de trabalho vem sendo reduzido continuamente há anos em boa parte dos países que fazem parte da Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Seguindo um movimento complementar, os orçamentos de treinamento das empresas tampouco parecem estar aumentando. De acordo com a McKinsey, entretanto, é provável que isto venha a mudar rapidamente, porque os executivos cada vez mais tratam o investimento em retreinamento e na reciclagem das habilidades de funcionários como sendo uma prioridade urgente dos negócios. Eles também entendem que essa questão deverá ser capitaneada pelas empresas e não pelo governo. Dentre cerca de 1.500 entrevistados pela McKinsey, com cargos nos setores privado, público e terceiro
setor de regiões de todo o mundo, 66% consideram que “lidar com as lacunas em potencial nas habilidades de automação/digitalização” de sua força de trabalho é uma atividade entre as dez principais prioridades dos próximos anos. Para cerca de 30%, essa prioridade está em seu top 5 de objetivos. E não se deve pensar, inclusive, que essa mudança
ocorrerá somente em tempos futuros. Ao olhar para os cinco anos anteriores à pesquisa, cerca de 33% dos executivos da pesquisa declararam que a mudança tecnológica havia feito com que retreinassem ou substituíssem mais de um quarto de seus funcionários.
Educação corporativa
Em artigo recente, Eduardo Carmello, palestrante e CEO da Entheusiasmos Consultoria, aponta que os cenários de alta complexidade e incerteza exigem que a capacidade de aprendizagem corporativa se dê pela singularidade, contextualidade, experimentação e apetite para arriscar.“Os aprendizes mais inteligentes e inovadores não suportam mais informações generalizadas, enlatadas, fora de contexto e que não ajudam a potencializar seus projetos e resultados compromissados com seus clientes. O modelo de aprendizagem que engaja talentos inteligentes e inovadores é a Heutogogia, que podemos
traduzir de forma muito simples como a Aprendizagem Autodirigida. Porque Pedagogia ou Andragogia ainda têm a intenção de dizer o que ou como os alunos devem aprender”, explica Carmello, em seu artigo. Para o palestrante, ainda em 2021 há uma insistência muito grande em implementar em aprendizes corporativos metodologias, tecnologias, conceitos,
paradigmas ou mesmo modismos sem perguntar a eles o que realmente precisam e desejam para melhorar sua capacidade de entrega ou de inovação.
“Mais da metade dos cursos corporativos ainda são desenhados por especialistas que não conhecem as verdadeiras necessidades de conhecimento dos aprendizes que estão na sala. Quanto menor o alinhamento entre os objetivos de aprendizagem e os objetivos de performance, maior a quantidade de conteúdos e ideologias despejados nas cabeças
dos aprendizes. O conteudismo ainda impera nas experiências de aprendizagem corporativa”, explica. Essa abordagem antiquada também impacta nos resultados obtidos por empresas e gestores nesse retreinamento ou qualificação para novas habilidades.
Ainda que se exija dos aprendizes um protagonismo em seu aprendizado e atuação, o formato de educação corporativa ainda é muito centralizado e busca obter controle ou domínio sobre o que e como os outros devem aprender.
“Enquanto isso, o futuro complexo está solicitando descentralização de saber e poder, eliminação de intermediários para o alcance da sabedoria prática, assim como a real experiência de liberdade para aprender como exatamente potencializar a singularidade e desejabilidade de cada aprendiz. Esse é o caminho traçado pelas Startups, que definem elas mesmas um
problema a ser resolvido, desenham um produto ou serviço, testam hipóteses e validam as mesmas com seus clientes, para colocar a solução no mercado complexo e incerto”, afirma Carmello no artigo. “Precisamos urgentemente de uma Educação Corporativa que fomente a Heutagogia. Que criem comunidades de aprendizagem dentro da Organização onde se
manifestem práticas para crescimento da aprendizagem autodirigida, do intraempreendedorismo, da experimentação contínua. Do dinamismo na descoberta das reais necessidades dos clientes, na construção de projetos e desenvolvimento de produtos de forma ágil, aprendendo na vida real como gerar velocidade em produzir inovações”, completa o especialista.
Desafios
Os desafios e as dificuldades não ficam restritos à forma para prover a educação corporativa. Somente 16% dos líderes empresariais consultados pelo McKinsey se sentem “muito preparados” para lidar com lacunas de habilidades em potencial.
“Quais as principais barreiras? Cerca de 33% dos executivos sentem uma necessidade urgente de repensar e aperfeiçoar sua infraestrutura atual de Recursos Humanos. Muitas empresas também estão penando para entender de que forma os novos papéis a serem desempenhados no trabalho irão mudar e quais os tipos de talento necessários nos próximos 5
a 10 anos. Alguns executivos que consideram isto como prioridade máxima – 42% nos EUA, 24% na Europa e 31% no resto do mundo – admitem que hoje eles não têm ‘uma compreensão adequada de como a automação e/ou a digitalização afetarão nossas necessidades de habilidades futuras’”, explica a consultoria.
“Tal grau de ansiedade é compreensível. Nossa experiência mostra que um excesso de novos treinamentos ou retreinamentos acaba sendo contraproducente, uma vez que acaba por não dar um rumo claro para o desempenho do novo trabalho, enfatizar mais a teoria do que a prática e não trazer um retorno efetivo sobre o investimento. A Generation, uma organização global sem fins lucrativos, com foco no emprego de jovens e fundada pela McKinsey em 2015, resolveu lidar com estas falhas de forma deliberada. Operando em cinco países e com um leque de mais de 20 profissões, a Generation realiza programas concentrados em treinamentos nas áreas onde há forte demanda de trabalho e coleta os dados necessários para comprovar o retorno sobre o investimento (ROI) tanto para os aprendizes como para os empregadores. Como resultado, um percentual um pouco superior a 82% dos mais de 16.000 graduados da Generation conseguiu achar um trabalho, com 72% de retenção no emprego após um ano e um salário de 2 a 6 vezes superior ao obtido antes do programa. […] Para muitas empresas, descobrir a fórmula de como desenvolver novas habilidades para antigos funcionários significa, em parte, manter sua ‘licença para operar’, empoderando sua força de trabalho para que seja mais produtiva”, completa. Mudar será necessário e (re)educar os funcionários fará parte de uma rotina consistente e sustentável das empresas que sobreviverão a este novo cenário.
Escrito por: Redação