Mercado enfrenta os desafios (e as oportunidades) de receber profissionais que já nasceram conectados.
Atuar com jovens profissionais é uma tarefa sempre desafiadora. Para o bem e para o mal. Há quem tenha grandes
dificuldades em lidar com colaboradores mais novos, mas há também os que tiram proveito do melhor de cada geração, de modo que a diferença de idade passa a ser algo secundário ao longo do dia a dia.
A ciência dos recursos humanos e das análises comportamentais voltou seus estudos agora para a chamada “geração smartphone”, de modo a avaliar suas características, fortalezas, fraquezas e, principalmente, o impacto que causam conforme evoluem em sua trajetória profissional.
A “geração smartphone” é basicamente composta por pessoas que nasceram após 1995. São jovens que não sabem o que é viver desconectado, fora da internet e das redes sociais, de modo que estão sempre em companhia de ao menos um smartphone.
Em livro publicado recentemente, a professora de Psicologia da Universidade Estadual de San Diego (Estados Unidos) Jean Twenge apresentou os resultados oriundos de pesquisas com cerca de 11 milhões de jovens norte-americanos, a partir de
questionários realizados de forma detalhista.
Sua principal conclusão é de que a “geração smartphone” está amadurecendo de maneira mais lenta do que as anteriores. iGen: Why Today’s Super-Connected Kids are Growing up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy – and Completely Unprepared for Adulthood (iGen: Porque as crianças superconectadas estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes – e completamente despreparadas para a vida adulta, em tradução livre) tornou-se um sucesso em diversos
países justamente por explorar uma realidade que já era observada (ainda que não fosse devidamente decifrada) por números executivos e equipes de recursos humanos dos mais variados setores de trabalho.
Afinal, quem faz parte da “geração smartphone”?
Em seu livro, Twenge afirma que a “geração smartphone” compreende jovens nascidos a partir de 1995. E por que justamente nesse ano? Porque é a partir do nascimento nesse período que os jovens dessa geração tiveram a oportunidade de crescer com celulares, e de contar com um perfil no Instagram antes mesmo de iniciarem o Ensino Médio. São jovens que sequer se recordam do tempo anterior à internet.
A internet em si passou a ser comercializada justamente em 1995, mas levou alguns anos até que se tornasse palpável para uma parcela mais ampla da classe média, outros tantos para que se tornasse comum em residências particulares, e mais ainda para adquirir o caráter móvel e onipresente com o qual a conhecemos atualmente.
“Os membros mais velhos da iGen (‘geração smartphone’) eram jovens adolescentes quando o iPhone foi apresentado, em 2007, e estudantes do Ensino Médio quando o iPad entrou em cena, em 2010”, explica a pesquisadora em seu livro, em referência aos aparelhos da marca Apple, que se tornaram objeto de desejo da maioria dos adolescentes à época de seus lançamentos, impulsionando o domínio da companhia norte-americana sobre esse tipo de público.
“O completo domínio do smartphone entre os adolescentes gerou crescentes efeitos através de cada área da vida dos jovens da ‘geração smartphone’, desde suas interações sociais até seu estado de saúde mental”, explica a professora. “Eles são a primeira geração para quem o acesso à internet é disponível constantemente, bem ali em suas mãos”, complementa Twenge, que explica ainda que o conceito de “geração smartphone” está relacionado também aos jovens de menor poder aquisitivo.
“Adolescentes de ambientes com maiores desvantagens agora gastam tanto tempo online quanto aqueles que vivem com mais recursos – outro efeito dos smartphones. O adolescente médio checa seu celular mais de 80 vezes por dia”, afirma.
Consequências
As consequências iniciais de umavida concentrada na tela do celular aparecem na própria interação social entre esses adolescentes. A pesquisa da professora norte-americana apontou que os jovens dessa geração, em média, saem menos, pois preferem passar mais tempo em casa. Não necessariamente em casa, mas ligados aos seus celulares.
A médio prazo essas mudanças impactam nos relacionamentos desses jovens, seja nas interações sexuais, seja nos círculos
de amigos em si. Forma-se então uma geração mais retraída, com personalidades distintas (uma on-line e outra off-line), e com dificuldade de relacionar-se com as demais pessoas. Essa é uma das características que já pode ser verificada em jovens da “geração smartphone” que chegaram ao mercado de trabalho.
São pessoas que naturalmente apresentarão dificuldades para improvisar, para lidar com situações humanas de desgaste
ou até mesmo para dialogar com seus superiores de forma clara e conexa. Não são necessariamente tímidos, mas relatam dificuldades em interagir em diversos ambientes e situações.
As pesquisas mais recentes, inclusive no Brasil, indicam que o jovem de hoje tem permanecido mais tempo morando na casa dos pais. Se antes, nas décadas de 1970 e 1980, o cenário mais comum era observar alguém aos 25 anos já casado, em sua própria residência, até mesmo com filho, atualmente o jovem opta por permanecer morando com os pais ao menos até os 28, 30 anos.
A ideia inicial é que o tempo a mais na casa dos pais permite um investimento mais alto em estudos e capacitações diversas. Não deixa de ser verdade. O problema é que, quando finalmente se depara com a “vida real”, o jovem de hoje toma um “choque de realidade” grandioso.
Assim, chegam ao mercado de trabalho mais capacitados para atuar em vagas com exigências e rendimentos inferiores, resultado da crise econômica global e das altas taxas de desemprego que assolam diversos países. Quando tentam adquirir o primeiro imóvel então, o susto é ainda maior.
A internet, principalmente as redes sociais, ajudam a ampliar essa “bolha” na qual os jovens muitas vezes teimam em sair por conta própria. O mercado de trabalho, no entanto, tem sido cada vez mais direto e explícito com os integrantes da “geração smartphone”, deixando claro que, ainda que a qualificação seja superior, o amadurecimento está aquém do esperado para pessoas com aquela idade.
Uma das conclusões do estudo de Twenge é que o jovem da “geração smartphone” enfrenta sérias dificuldades para tomar decisões e não lida bem com mudanças em seu cotidiano. Dessa forma, chegam ao mercado de trabalho com perfil mais cauteloso, evitando a exposição a situações que lhes tragam riscos.
Ambiente de trabalho
Quem trabalha com jovens nessa faixa etária certamente já reconheceu algumas das características que o definem como uma geração própria. Ainda que faltem estudos mais específicos sobre o tema, uma das principais dificuldades relacionadas à nova geração diz respeito à concentração.
Não à toa, os cinemas perderam boa parte de seu público para as séries produzidas para televisão, com conteúdo geralmente 50% mais curto.
Há claramente uma dificuldade em manter-se concentrado em tarefas ou atividades que exijam duas horas ou mais de concentração. No ambiente de trabalho, de forma geral, isso resulta em sensíveis dificuldades em relação ao acompanhamento de reuniões, participação em projetos de longo prazo e desenvolvimento de estratégias que requerem foco em mais de uma área de atuação.
A dificuldade em se adaptar ao ambiente, aliada aos problemas enfrentados para adequar-se à convivência social, impulsiona uma geração de jovens ansiosos e deprimidos. De acordo com a professora, jovens da “geração smartphone” parecem apresentar maiores níveis tanto de ansiedade de quanto de depressão, em um cenário que amplia, inclusive, a
taxa de suicídios entre pessoas nessa faixa etária.
O que fazer?
Não há respostas fáceis para essa pergunta. Até mesmo porque os estudos a respeito das principais características dos jovens da “geração smartphone” são recentes. Além disso, é preciso considerar que, diante da velocidade com que a tecnologia apresenta suas novidades, os resultados das pesquisas sobre o tema podem tornar-se obsoletos.
Ainda assim, é preciso pensar em estratégias que explorem o melhor da “geração smartphone” no ambiente de trabalho. Não se trata de modificar inteiramente a estrutura da empresa “apenas” para se adaptar a este público, e sim de implementar medidas que irão potencializar as virtudes desses profissionais e contribuir, inclusive, com a evolução dos demais colaboradores.
O ideal é explorar as virtudes de cada geração, ciente de que cada uma delas terá também suas fraquezas. Confira a seguir
dicas para melhorar o ambiente de trabalho, contribuindo com a evolução da “geração smartphone” e também daqueles que com ela trabalham diretamente:
• Procure mesclar as gerações em sua equipe. Diante do cotidiano, a tendência natural é que pequenos grupos de afinidade sejam formados de acordo com a idade de cada um, mas a mescla certamente contribuirá para a formação de estratégias mais pluralistas.
• Incentive, na medida do possível, o caráter questionador do jovem. Profissionais da “geração smartphone” apresentam maior dificuldade de concentração em palestras, treinamentos e reuniões mais extensas. Será que não é a hora de você mesmo repensar essa estrutura para toda a equipe? Por vezes, esse é um problema que afeta também funcionários de outras gerações, ainda que estes não percebam claramente.
• Procure ser o mais claro possível em relação às expectativas e possibilidades para seu jovem funcionário dentro da empresa. Diante de uma geração tão ansiosa e imediatista, quanto mais estruturada estiver a “caminhada”, melhor.
• Valorize programas de atendimento e suporte ao colaborador. Ainda incipientes no Brasil, em alguns países esse tipo de auxílio por parte das empresas tem sido considerado tão importante no processo seletivo quanto a existência ou não de vale-refeição, por exemplo.
• Fique atento aos conflitos naturais que surgirão entre colaboradores de gerações distintas. Procure resolvê-los de forma a
ficar claro para ambos os lados que não há uma opinião certa e uma opinião errada. Novamente, valorize a mescla de sabedorias e explore o melhor que cada geração tem a oferecer.
Escrito por: Redação