Estudo aponta diminuição no uso de carros em São Paulo, mas cidade tem dificuldades para desenvolver outros meios
O paulistano deverá enfrentar profundas mudanças na forma com que se locomove na cidade de São Paulo durante os próximos dez anos. Estudo divulgado pela consultoria global Kantar sobre mobilidade urbana aponta que, nesse período, o uso de carros na capital paulista deverá cair 28%. Enquanto isso, transporte público, caminhada e bicicletas deverão ter altas de 10%, 25% e 47% em suas utilizações, respectivamente.
Mais do que uma projeção sobre o futuro da cidade, o levantamento da consultoria é uma ferramenta que consolida pontos já sentidos pelos paulistanos ao longo dos últimos anos. O cenário oferece, entretanto, dados que permitem tanto uma visão otimista quanto uma visão pessimista no âmbito do setor automotivo.
A complexidade de uma metrópole como São Paulo permite desenvolver uma série de entendimentos que contemplem não apenas os dados oficiais, como também as projeções de comportamento do público consumidor.
Os carros então perderão sua importância em São Paulo? Não necessariamente. Nem em São Paulo e nem no restante do mundo. Além de todas as dificuldades inerentes a outros modais que serão relatavas a seguir, o automóvel no Brasil segue com a imagem associada a um objeto de desejo, de conquista.
As deficiências do transporte público paulistano cumprem um papel importante ao “empurrar” as pessoas ao uso de carros. Esse é, inclusive, um dos fatores que ampliaram o uso de transporte por aplicativos na capital paulistana. Diversos cidadãos que até então faziam uso diário e frequente de transporte público passaram a optar por serviços de mobilidade via aplicativo.
Ainda que entendessem não ter condições de arcar com um carro próprio, esses paulistanos acabaram optando por se locomover em diversas situações com… um carro. O aumento da oferta de motoristas por aplicativo (resultado de um índice de desemprego e de uma crise econômica fortíssimas) resultou num uso maciço de automóveis leves na cidade, contribuindo, inclusive, para que os índices de produção e venda de carros melhorassem em relação a anos anteriores.
Ainda que o levantamento da Kantar aponte para uma diminuição do uso de automóveis em São Paulo, todas as características e dinâmicas da cidade complicam a efetividade da projeção. No mundo, a estimativa da consultoria é que a proporção de viagens em carros diminua de 51% para 46%. Já o ciclismo deverá crescer de forma exponencial, com previsão de aumento de 18% até 2030. Caminhada e transporte público deverão aumentar 15% e 6%, respectivamente.
De acordo com o estudo, Manchester, na Inglaterra, será a cidade com a mais intensa revolução no uso de transportes nos próximos dez anos. A cidade inglesa é seguida por Moscou, na Rússia, e por São Paulo. Ainda segundo o levantamento, caso a estimativa para São Paulo seja confirmada, a cidade vivenciará uma relevante inversão. Os meios de transporte considerados mais ecológicos passariam a responder por 49% de todas as viagens, contra 46% de automóveis, motocicletas e caminhões.
Dificuldades de outros modais
É fato, por exemplo, que o uso das bicicletas como meio de transporte aumentou sensivelmente em São Paulo nos últimos anos. O incentivo ao modal, bem como a construção de ciclovias em diversas avenidas de grande circulação fez com que os paulistanos ganhassem confiança em utilizar a bicicleta também para se deslocar ao trabalho. Pedalar deixou de ser, para muitas pessoas, um hobby de final de semana para se tornar o principal meio de locomoção.
Muitas empresas, inclusive, passaram a incentivar a bicicleta entre seus colaboradores, sob o argumento de que o exercício físico traz uma série de benefícios físicos e mentais ao corpo humano, resultando em maior produtividade no dia a dia. Assim, algumas delas até mesmo adaptaram suas estruturas para permitir que os funcionários possam tomar um banho antes de iniciar o trabalho.
O estudo da Kantar aponta que esse meio de transporte é o que mais deverá crescer na próxima década, com ampliação de quase 50% em seu uso. De fato, a projeção acompanha o comportamento do paulistano nos últimos anos, inclusive a partir do aumento do uso de bicicletas e patinetes compartilhados, em sua maioria na versão elétrica. O modelo também permitiu que outras pessoas, sem condicionamento físico adequado, adotassem o modal para efetuar suas viagens.
A bicicleta seria, portanto, o meio de transporte que mais contribuiria com a queda da utilização dos carros em São Paulo na próxima década. Ocorre, entretanto, que a projeção não é assim tão simples.
Ainda que pontue as mudanças que deverão ocorrer no uso dos diferentes meios de transporte em São Paulo nos próximos dez anos, o estudo da Kantar também aponta que a população paulistana vê o futuro da mobilidade na cidade de forma crítica e pessimista. Essa percepção é resultado da desaceleração dos investimentos em infraestrutura em São Paulo, relata a consultoria.
De imediato, é preciso reconhecer que o custo atrelado ao uso da bicicleta não é mínimo como muitos pregam. É obviamente inferior aos gastos mensais de um carro (ou do valor usado no transporte público), mas seu uso adequado e seguro implica em equipamentos de segurança, um local para guardá-la, além, é claro, da própria bicicleta. Apesar de incentivar os funcionários, a maioria das empresas ainda não tem condições de oferecer aos colaboradores uma estrutura adequada para se higienizarem após o trajeto ou até mesmo guardar seus equipamentos de viagem. Assim, o hábito de pedalar até o trabalho pode até gerar benefícios à saúde do colaborador, mas está longe de ser uma opção prática e viável, ao menos por enquanto.
Metrópoles como São Paulo também reservam outro fator complicador aos que desejam optar pelas bicicletas para se deslocar até o trabalho: as grandes distâncias. Pare para pensar no caso de um trabalhador que mora na Zona Norte e trabalha na Zona Sul de São Paulo. Ao optar pela bicicleta, ele poderá ter de pedalar por cerca de 20 quilômetros para chegar ao seu destino. São 40 quilômetros diários de bicicleta, algo que até mesmo para ciclistas profissionais é uma distância considerável.
Pedalar por 2, 4 ou 6 quilômetros para chegar ao trabalho é algo viável, mas quantos paulistanos efetivamente trabalham a apenas essa distância de suas casas? Não é a realidade da maioria, infelizmente. É preciso considerar as possibilidades que se apresentam à maior parte dos paulistanos no dia a dia, e a bicicleta, até o momento, ainda carece de infraestrutura e condições que permitam às regiões mais afastadas do Centro usufruir do modal.
O mesmo vale para a caminhada ou para os patinetes elétricos que ganharam popularidade em diversas capitais do país. Caminhadas muito extensas não são viáveis para aqueles que moram em regiões mais periféricas. A maioria dos paulistanos ainda depende de mais de um modal para se deslocar de suas casas até o ambiente de trabalho.
No caso dos patinetes elétricos, as próprias empresas provedoras do serviço reduziram nos últimos meses seu raio de atuação. Devido a casos de furto e danos provocados aos aparelhos, as companhias passaram a concentrar suas unidades em bairros considerados estratégicos na cidade, principalmente no coração financeiro da Zona Sul paulistana. Houve o entendimento também de que o custo do patinete elétrico ainda não era viável aos paulistanos. Pode ser algo útil por alguns minutos, mas torna-se muito custoso se utilizado todos os dias por viagens moderadamente mais extensas.
Todos esses fatores contribuíram para que São Paulo pontuasse de forma “pobre” no índice de cidades prontas para a tecnologia na mobilidade urbana, conforme exemplificou o estudo da Kantar. De acordo com Luciana Pepe, diretora de Contas da Kantar no setor automotivo, o levantamento descobriu que 40% das pessoas em todo o mundo estão abertas a adotar novas soluções inovadoras. “Mas nem todas as cidades estão prontas para a transformação da mobilidade”, completou a diretora.
Mobilidade urbana
Independentemente do que ocorrerá em São Paulo nos próximos anos, o tema da mobilidade urbana tem ganhado força no debate e desenvolvimento de políticas públicas. No último mês de novembro, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro de Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, realizaram alterações na Política Nacional de Mobilidade Urbana. Assim, estabeleceram que municípios com mais de 20 mil habitantes e todos aqueles que integrem regiões metropolitanas com população total superior a um milhão de pessoas deverão elaborar um plano para mobilidade. Dessa forma, o Plano de Mobilidade Urbana deverá ser efetuado e aprovado até 12 de abril de 2021.
Trata-se de uma temática cada vez mais importante, especialmente diante das mudanças e dinâmicas vivenciadas pelas grandes metrópoles brasileiras nos últimos anos. O que o poder público tem percebido é que não basta pensar apenas no transporte público, já que os brasileiros seguem priorizando e desejando se locomover em um carro. As soluções para mobilidade urbana não são simples, mas devem envolver todos os modais possíveis, de modo a favorecer quem, de fato, depende das locomoções diariamente.
Escrito por: Redação